Universidade Federal do Paraná - Departamento de História ...
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faz o seu cano tão disforme <strong>de</strong> grosso, que os não po<strong>de</strong>m as mulheres esperar, nem sofrer; e não<br />
contentes estes selvagens <strong>de</strong> andarem tão encarniça<strong>do</strong>s neste peca<strong>do</strong>, naturalmente cometi<strong>do</strong>, são<br />
muito afeiçoa<strong>do</strong>s ao peca<strong>do</strong> nefan<strong>do</strong>, entre os quais se não têm por afronta; e o que se serve <strong>de</strong><br />
macho, se tem por valente, e contam esta bestialida<strong>de</strong> por proeza; e nas suas al<strong>de</strong>ias pelo sertão há<br />
alguns que têm tenda pública a quantos os querem como mulheres públicas. Como os pais e as mães<br />
vêem os filhos com meneios para conhecer mulher, êles lhas buscam, e os ensinam como a saberão<br />
servir; as fêmeas muito meninas esperam o macho, mormente as que vivem entre os portugueses. Os<br />
machos <strong>de</strong>stes tupinambás não são ciosos; e ainda que achem outrem com as mulheres, não matam a<br />
ninguém por isso, e quan<strong>do</strong> muito espancam as mulheres pelo caso. E as que querem bem aos<br />
mari<strong>do</strong>s, pelos contentarem, buscam-lhes moças com que eles se <strong>de</strong>senfa<strong>de</strong>m, as quais lhes levam à<br />
re<strong>de</strong> on<strong>de</strong> <strong>do</strong>rmem, on<strong>de</strong> lhes pe<strong>de</strong>m muito que se queiram <strong>de</strong>itar com os mari<strong>do</strong>s, e as peitam para<br />
isso; coisa que não faz nenhuma nação <strong>de</strong> gente, senão estes bárbaros.<br />
O recorte <strong>de</strong>sta frase "porque este peca<strong>do</strong> é contra seus costumes”, extraí<strong>do</strong> da<br />
narrativa, <strong>de</strong>monstra que o autor tem algum conhecimento das regras que regem a<br />
organização social <strong>do</strong>s Tupinambás. Contu<strong>do</strong>, ele usa critérios culturais que lhe são<br />
próprios para estabelecer parâmetros <strong>de</strong> julgamento. Afinal "o peca<strong>do</strong> nefan<strong>do</strong>" como é<br />
coloca<strong>do</strong> pelo autor não é peca<strong>do</strong> entre os indígenas, mas, sim, uma falha moral, afinal não<br />
se po<strong>de</strong> atribuir o conceito cristão <strong>de</strong> peca<strong>do</strong> aos que em tese ainda seriam pagãos. O<br />
peca<strong>do</strong> só existe aon<strong>de</strong> há consciência <strong>de</strong>le, ou seja, só po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como tal, entre<br />
hereges e infiéis. Contu<strong>do</strong>, Gabriel Soares, apesar <strong>de</strong> ser um fervoroso católico, não era<br />
teólogo ou especialista em direito canônico.<br />
Na realida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>mos constatar que toda sua forma <strong>de</strong> julgar, contém o esboço da<br />
idéia daquilo que mais tar<strong>de</strong> a Antropologia Mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong>nominaria <strong>de</strong> Etnocentrismo.<br />
Comparan<strong>do</strong> Soares com outro autor <strong>de</strong> referência <strong>do</strong> Século XVI, Michel <strong>de</strong> Montaigne 27 ,<br />
po<strong>de</strong>-se concluir que durante o século XVI, po<strong>de</strong>mos concluir que o esboço <strong>do</strong>s conceitos<br />
que mais tar<strong>de</strong> se "Etnocentrismo" e "Relativismo Cultural", já se encontravam entre as<br />
formas <strong>de</strong> pensar e interpretar da Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />
Montaigne, ao contrário <strong>de</strong> Gabriel Soares, já consegue "relativisar" a análise <strong>de</strong><br />
socieda<strong>de</strong>s que possuam cultura diversa da sua. No século XX, o sociólogo Florestan<br />
Fernan<strong>de</strong>s trabalhou o tema da sexualida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Tupinambás além da esfera <strong>do</strong> priva<strong>do</strong> no<br />
livro <strong>de</strong> sua autoria, A Organização social e política <strong>do</strong>s Tupinambás. 28<br />
Na análise <strong>de</strong> Florestan Fernan<strong>de</strong>s, a socieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Tupinambás era relativamente<br />
27 MONTAIGNE, Michel. Essais. Paris: Garnier, 1965.<br />
28 FERNANDES, Florestan. Organização Social <strong>do</strong>s Tupinambá. 2.ed. São paulo: Difusão Européia<br />
<strong>do</strong> Livro, 1963.<br />
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