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o outro possível: a poesia de armando freitas filho em ... - UninCor

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24<br />

19<br />

Escrever o pensamento à mão.<br />

Reescrever passando a limpo<br />

Passando o pente grosso, riscar<br />

Rabiscar na entrelinha, copiar<br />

Segurando a cabeça, pelos cabelos<br />

Batendo à máquina, passando o pente<br />

Fino furioso, corrigindo, suando<br />

e ouvindo o t<strong>em</strong>po da respiração.<br />

Depois, digitar s<strong>em</strong> dor, apagando<br />

Absolutamente o erro, errar. 18<br />

A mão é o m<strong>em</strong>bro responsável pela concretização da escrita. É a possibilida<strong>de</strong> da<br />

passag<strong>em</strong> do pensamento ao concreto da <strong>poesia</strong>. Não é a máquina e n<strong>em</strong> o mo<strong>de</strong>rno<br />

computador que realiza a ativida<strong>de</strong>, mas é a escrita a mão pura, na proximida<strong>de</strong>, no traço, na<br />

força do pulso, dos <strong>de</strong>dos, na marca da letra.<br />

Pelo “pensamento a mão”, o que se preten<strong>de</strong> sugerir já é da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>sestabilizar dos domínios do texto da escrita mecânica. O ato <strong>de</strong> escrever, <strong>em</strong> AFF, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />

ser escrita como expressão <strong>de</strong> automatismo, <strong>de</strong> superficialida<strong>de</strong>, <strong>em</strong> proveito <strong>de</strong> uma escrita<br />

“<strong>de</strong>-morada”, presa ao papel e pensamento. A folha <strong>de</strong> papel não é só objeto, mas sim um<br />

espaço, no qual, a escrita se expan<strong>de</strong> para além <strong>de</strong> si, é uma extensão, é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

visualizar o que v<strong>em</strong> do pensamento.<br />

Carvalho (2008, p. 09), “a mão vai retirar o véu, anterior e transparente, para<br />

possibilitar que se toque com os olhos a outra materialida<strong>de</strong>” e expandindo a reflexão:<br />

A mão <strong>de</strong>stampa o escondido ou anunciado como nuv<strong>em</strong> <strong>de</strong>sejante que a mão<br />

procura na sua fome expansionista <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta. Uma das <strong>de</strong>scobertas é que a mão<br />

passa e o t<strong>em</strong>po passante é a oferta das mãos. Como inscrever s<strong>em</strong> registrar o<br />

impasse <strong>de</strong> ficar retido, <strong>de</strong> enclausurar o arisco movimento que necessariamente<br />

escapa.<br />

No po<strong>em</strong>a 19, o poeta escreve por etapas, num processo. Primeiro com a mão<br />

pura, coloca o pensamento no papel, <strong>de</strong>pois reescreve, passa a limpo usando um “pente<br />

grosso”, risca, completa nas bordas e entre palavras, rabisca, até chegar o momento <strong>de</strong> passar<br />

“o pente fino” como a catar piolho, minuciosamente, vagarosamente bate à máquina, atento<br />

ao olhar, com os <strong>de</strong>dos nas teclas ouve o “t<strong>em</strong>po da respiração”. No ato da re-escrita corre-se<br />

o risco <strong>de</strong> dizer diferente ao já dito, o traço anterior já não é o mesmo; quando ele tenta dizer<br />

melhor já está dizendo outra coisa, o ato é uma das suas dores. Depois <strong>de</strong> todas as etapas, no<br />

computador “digitar s<strong>em</strong> dor”; como já se passou as dores do corte, percebe-se que o po<strong>em</strong>a<br />

18 Numeral/ Nominal, 2003, p. 43.

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