o outro possÃvel: a poesia de armando freitas filho em ... - UninCor
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78<br />
Vê<strong>em</strong>-se nessa análise imagens <strong>de</strong> alterida<strong>de</strong>. O face-a-face poético é responsável<br />
pela mudança, pela transformação e pela transcendência.<br />
2.4.4 O t<strong>em</strong>po filosófico<br />
Gostaria <strong>de</strong> continuar à análise esboçando a questão do t<strong>em</strong>po com uma<br />
interrogativa do prefácio das conferências <strong>de</strong> O t<strong>em</strong>po e o Outro “O t<strong>em</strong>po é a limitação<br />
mesma do ser finito ou a relação do ser finito a Deus? 98 ”<br />
Um realce para se pensar a questão do t<strong>em</strong>po, é o filme Volver, <strong>de</strong> Pedro<br />
Amodóvar 99 . Através das cenas da narrativa <strong>em</strong> que se observam as formas <strong>de</strong> conservação do<br />
passado po<strong>de</strong> se enten<strong>de</strong>r um pouco mais a <strong>poesia</strong> <strong>de</strong> AFF. O poeta fica, como no filme, revolvendo<br />
o passado através <strong>de</strong> suas releituras, reescritas, numa forma <strong>de</strong> preservação. Quando<br />
se cultua muito algo, acredita-se que é uma forma <strong>de</strong> conservação, <strong>de</strong> manter-se ali, até que<br />
algo se resolva, como se resolveu no <strong>de</strong>correr da narrativa. No final, mãe, filha, irmã e neta<br />
ficam juntas. E na <strong>poesia</strong> quando se ajuntam todos os fragmentos o po<strong>em</strong>a nasce. O poeta<br />
revela uma maneira <strong>de</strong> reler, recordar e reviver configurado pelo passado – presente, trazendo<br />
sua escrita permeada pela m<strong>em</strong>ória.<br />
Muitas são as formas <strong>de</strong> abordag<strong>em</strong> que se propõe ao t<strong>em</strong>po: análises<br />
cronológicas, diacrônicas ou sincrônicas, escatológicas, psicológicas, <strong>de</strong>ntre outras. Os<br />
98 LEVINAS, 2006, p. 02.<br />
99 O filme ‘Volver’ <strong>de</strong> Pedro Almodóvar nos traz a personag<strong>em</strong> Raymunda interpretada pela atriz<br />
Penélope Cruz, configurando sob o ponto <strong>de</strong> vista f<strong>em</strong>inino o resgate à comparação da mulher e da m<strong>em</strong>ória.<br />
Raymunda tenta salvar a filha adolescente, que matou o pai, quando este tentava abusar <strong>de</strong>la sexualmente. A<br />
narrativa neste âmbito é recheada pela cumplicida<strong>de</strong> entre mãe e filha, revelando que o maternal e o f<strong>em</strong>inino<br />
são marcas da mulher. A história pessoal <strong>de</strong> Raymunda se ass<strong>em</strong>elha a da filha, que é ao mesmo t<strong>em</strong>po filha e<br />
irmã, já que também foi abusada pela pai, se distanciando da mãe, que por não saber do acontecido, falava que a<br />
filha s<strong>em</strong>pre vivera distante, com preferências para a tia Paula.<br />
As cenas aparec<strong>em</strong> / <strong>de</strong>saparec<strong>em</strong> ao espectador <strong>em</strong> pequenos flashes, o que fica um pouco difícil a<br />
seqüência do filme. Os fragmentos rel<strong>em</strong>bram o passado, as pessoas, as situações. Muito das vezes, esses<br />
fragmentos causam confusão no espectador, pois aparec<strong>em</strong> trazendo o passado <strong>em</strong> forma <strong>de</strong> presente.<br />
M<strong>em</strong>ória e imag<strong>em</strong> dialogam, principalmente, na personag<strong>em</strong> mãe <strong>de</strong> Raymunda, que não suportando<br />
mais as traições do marido o mata, mas para os familiares teria morrido num incêndio com ele. Vive como um<br />
fantasma, e no <strong>de</strong>correr da narrativa, aparece somente aos familiares. Ela é o motivo das recordações que<br />
acontec<strong>em</strong> no c<strong>em</strong>itério, na casa da tia Paula, e quando cuida <strong>de</strong> Agustina, que está com câncer.<br />
Os personagens do filme estão a todo o momento recordando os acontecimentos <strong>de</strong> sua infância, o que<br />
dá prosseguimento ao filme e que acabam por <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar na morte do marido <strong>de</strong> Raymunda – o que aconteceu<br />
com a personag<strong>em</strong> quase acontece com a filha/irmã.<br />
A narrativa está sob mistérios, na pequena al<strong>de</strong>ia on<strong>de</strong> se passa a maioria das mulheres ficam viúvas<br />
cedo. Esse fato é um enigma, porque ninguém procura saber o motivo <strong>de</strong>ssa viuvez. As imagens mostram cenas<br />
<strong>de</strong> uma família <strong>em</strong> fragmentos <strong>em</strong> que os personagens voltam ao passado o t<strong>em</strong>po todo. Estão limpando e<br />
cuidando dos túmulos, l<strong>em</strong>brando dos pais, viv<strong>em</strong> conservando a morte, e se preparando para ela.<br />
O título Volver leva o espectador ao futuro imediato num contraponto com o que passou; vou ver o que<br />
aconteceu no passado, para que o presente tenha sentido. As cenas permeadas pelo passado distante vão se<br />
<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ando e vão dando sentido ao título.