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Volume 7 - Realismo Fantasmagórico

Realismo Fantasmagórico

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intimação do incognoscível e do incomunicável, a figura do mudo, assim, opera<br />

uma ruptura: “os limites do seu ser e do seu corpo geralmente são indefinidos”,<br />

escreve Chion; assim, “por definição, o mudo problematiza a ‘palavra final’ da<br />

narrativa do filme que, supostamente, fecha o sistema narrativo como um todo<br />

unificado”. 53 Sem dúvida, os personagens mudos em Adeus, Dragon Inn devem<br />

ser qualificados como não vocalizados, ao invés de corpos sem voz - uma distinção<br />

que sugere uma invocação mais deliberada de um modo anacrônico de<br />

performance baseada no gesto. No entanto, o efeito desestabilizante sobre a<br />

unidade e a presença é semelhante. Se a ausência da palavra falada, vista em<br />

relação ao tema da prostituição, mantém o suspense em torno desse ato, como<br />

uma espécie de centro oco em torno do qual a sua tensão dialética de conexão e<br />

isolamento se cristaliza, neste contexto narrativo mais amplo ela também suspende<br />

a unidade do corpo em si. Como Mary Ann Doane observou, a imagem<br />

falada reforça uma ideologia da presença: som e imagem se fundem no corpo, o<br />

que, consequentemente, surge como organicamente integral e subjetivamente<br />

centrado. 54 Por outro lado, a mudez dos personagens do filme aumenta a sua<br />

aura de fantasmagoria: se esses personagens já aparecem deveras desprovidos<br />

de vida conforme se escondem nas sombras do cinema, em um vívido contraste<br />

com os corpos vociferantes e infatigáveis ​projetados na tela, seu silêncio passivo<br />

os torna ainda mais estranhos e parecidos com zumbis.<br />

Conforme o filme se aproxima do fim, vemos os créditos finais de Dragon<br />

Gate Inn aparecerem na tela, seguido de um corte abrupto para uma<br />

gravação em reverso de planos do auditório vazio, visto da perspectiva da<br />

tela, conforme a bilheteira liga as luzes e começa a se mover entre os corredores,<br />

retirando os detritos. As últimas notas da trilha musical do filme<br />

de wuxia são silenciadas pelo barulho alto das luzes de serviço, seguido<br />

por uma imobilidade quebrada apenas pelos passos pesados ​da bilheteira.<br />

53 CHION, Michel. The Voice in Cinema. Nova York: Columbia University Press,<br />

1999. p. 100.<br />

54 Ver DOANE, Mary Ann. “The Voice in the Cinema: The Articulation of Body<br />

and Space”. In: ROSEN, Philip (Org.). Narrative, Apparatus, Ideology. Nova York:<br />

Columbia University Press, 1986. p. 335-49.<br />

o cinema ASSOMBRADO 183

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