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Volume 7 - Realismo Fantasmagórico

Realismo Fantasmagórico

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não sincrônico e, por meio do reconhecimento verbal ou gestual ou pela imersão<br />

corporal, respondem prontamente a aparições, presença e eventos de natureza<br />

maravilhosa. Muitas vezes, é aí também que reside o charme e o humor<br />

inexpressivo dos filmes de Apichatpong.<br />

Considere, por exemplo, como os personagens humanos recebem o retorno<br />

de Huay, a esposa-fantasma de Boonmee e irmã mais velha de Jen. Aparecendo<br />

no quadro como uma silhueta translúcida sobreposta, sua forma espectral<br />

adquire densidade suavemente e se transforma numa elegante figura<br />

feminina, sentada na mesa de jantar, numa cadeira livre próxima ao amigo<br />

Tong, quase encarando a câmera. Ao ver a aparição, os três seres humanos inicialmente<br />

são pegos de surpresa, e Tong se afasta lentamente para ficar atrás<br />

de Boonmee. Neste ponto todos os três humanos estão no quadro e o fantasma<br />

está fora de quadro à esquerda. Olhando silenciosamente assustada, Jen gentilmente<br />

pergunta: “É você?” e, ao ouvir a resposta do fantasma, Boonmee chama<br />

o nome dela. Esta breve hesitação é imediatamente quebrada quando Tong, o<br />

visitante urbano de Bangkok, sussurra para tia Jen: “Esta é a sua irmã mais<br />

nova?” A resposta dela, preocupada com a idade, é a forma bem humorada que<br />

o filme tem de aludir à noção de que fantasmas não envelhecem, enquanto os<br />

meros mortais sim, e ao mesmo tempo o lampejo de indignação de Jen, muito<br />

humana, é um presságio de deslocamento rítmico. A cena continua no ritmo de<br />

uma urgência afetuosa; amigos queridos há muito tempo distantes têm muito<br />

o que pôr em dia. Tong está agora sentado novamente próximo a Huay. Boonmee<br />

então estende a Tong um copo d’água para passar a ela. Este é a um só<br />

tempo um gesto de hospitalidade mundana, uma expressão de profundo amor<br />

e cuidado para com a esposa-fantasma que, como diz o homem doente, deve<br />

ter viajado de longe para estar aqui com eles, e uma verificação da presença<br />

material de Huay através do reconhecimento da possibilidade de ela manter o<br />

sentido corpóreo do gosto. Tong supera sua hesitação e cuidadosamente coloca<br />

o copo d’água em frente à figura.<br />

Não muito tempo depois do gesto há um corte para um plano médio<br />

em que Tong vira o rosto para oferecer um sorriso charmoso de reconciliação<br />

amigável a Huay, que está fora de quadro – um plano de duração surpreendente.<br />

Jen pergunta à sua irmã se ela tem recebido as oferendas que lhe têm feito<br />

- uma questão referindo-se ao ritual Budista-animista de fazer comida e outras<br />

oferendas aos mortos para garantir que sua anima não careça de necessidades<br />

que poderiam nutri-la no tempo-espaço indeterminado de espera para a reencarnação.<br />

Huay confirma que ela vem recebendo as oferendas e lhes conta que<br />

254 REALISMO FANTASMAGÓRICO

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