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Volume 7 - Realismo Fantasmagórico

Realismo Fantasmagórico

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procedimentos médicos para a hemodiálise de Boonmee – novamente o cruzamento<br />

do “médico” e do “científico” com o “espiritual” e o “sobrenatural”.<br />

Porém, além de flertar com o fantástico e com sua cultura, o interesse<br />

de Apichatpong nos fantasmas está na forma como eles manifestam um certo<br />

corte na temporalidade da narrativa, o que, de certa maneira, remete à própria<br />

natureza do cinema. Juliano Gomes, em crítica ao filme, elucida a íntima relação<br />

entre fantasma e imagem cinematográfica: o fantasma é “a imagem de<br />

uma ausência, de alguém que já morreu. É a presença de uma ausência, como<br />

imagem. (...) Uma manifestação visível da ausência da coisa. Visível porque é<br />

luz, é luz no tempo.” 21<br />

Cinema e fantasma se confundem: luz no tempo, presença de ausência,<br />

passado e presente fundidos. A figura do fantasma já é, potencialmente, uma<br />

forma de escavar camadas na imagem; é como uma imagem dentro da imagem<br />

do filme. Tio Boonmee explicita essa relação na história do desaparecido Boonsong<br />

que se transformou em macaco. O personagem conta à família sua obsessão<br />

na juventude pela fotografia e por uma foto específica cuja revelação lhe<br />

fez perceber algo que não havia notado no momento em que tirara a foto: ecos<br />

de Blow-up (1966), de Antonioni. Mas não se trata de um assassinato, e sim de<br />

uma espécie de homem-macaco que ele descobre na revelação. E Boonsong,<br />

ao retornar ao local em que fizera a foto, acaba se metamorfoseando em um<br />

homem-macaco. Ele adentra o universo da imagem que estava perseguindo:<br />

torna-se um “ser-imagem”, o que nos lembra o desaparecimento do personagem<br />

de Blow-up ao final do filme de 1966.<br />

A presença de fantasmas, imagens, ausências presentes, não é apenas um<br />

flerte do filme com a cultura tailandesa e com a ideia de transmigração, mas<br />

uma forma de adentrar nas profundezas de uma terra com um passado conturbado.<br />

Nabua, afinal, não é uma região qualquer (existe algo como um território<br />

qualquer?). Ali e em outras áreas do nordeste tailandês, dos anos 1960 ao início<br />

dos anos 1980 (período das ditaduras militares do terceiro mundo apoiadas pelos<br />

Estados Unidos), o exército montou bases para “caçar” comunistas, gerando<br />

um regime de terror, morte e estupro entre as comunidades locais.<br />

Em um dos diálogos mais assustadores do filme (certamente mais assustador<br />

que os próprios fantasmas), o simpático Boonmee comenta com Jen que<br />

21 GOMES, Juliano. “Tio Boonmee que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, de<br />

Apichatpong Weerasethakul, (Tailândia/Inglaterra/França/Alemanha/Espanha/<br />

Holanda,2010)”. In: Revista Cinética, 2010. Disponível em: http://www.<br />

revistacinetica.com.br/tioboonmee.htm. Acesso em: 19 out. 2015.<br />

AS CAMADAS DO TEMPO 215

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