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Volume 7 - Realismo Fantasmagórico

Realismo Fantasmagórico

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cinema se torna um ato de homenagem, com o espectador convidado a relaxar<br />

neste último olhar ao Cinema Fuhe e se render à formação lenta de sensações<br />

de perda e saudade no tempo morto do plano-sequência. 57<br />

Com o término da exibição, assim como uma sensação de realidade é<br />

restaurada para o espaço misterioso do cinema, seus fantasmas também são<br />

exorcizados com a restauração das vozes nos corpos. Após essa cena, testemunhamos<br />

Miao Tien e a criança pequena que ele acompanha deixando o cinema,<br />

e à medida que passam pelo saguão, Shih Chun chama seu velho amigo pelo<br />

nome: “Você veio ver um filme?” “Há muito tempo que eu não vou ao cinema”.<br />

Shih Chun responde: “Ninguém mais vem ao cinema. E ninguém mais se<br />

lembra de nós”. Com estas palavras, eles ficam juntos num momento de silêncio<br />

contemplativo e lançam seus olhares de volta para o cinema atrás deles.<br />

Enquanto a primeira conversa no filme entre os dois jovens que se seduzem<br />

serviu para insinuar verbalmente a ideia de assombração, esta segunda e última<br />

instância de diálogo entre os atores mais velhos alcança um efeito inverso,<br />

dissipando a aura sobrenatural dos dois atores e humanizando sua presença<br />

na troca mundana de palavras. O pesar melancólico expresso pelos oradores<br />

coloca um ponto final à magia sobrenatural lançada pelo filme no próprio ato<br />

de articular seus impulsos afetivos.<br />

Tsai ecoa estes sentimentos com a canção que pontua o filme, sua única<br />

instância de música não-diegética, entrando ao final de uma série de imagens<br />

em que a bilheteira e o projecionista fecham o local e separadamente partem<br />

sem cruzar seus caminhos. A única troca que ocorre entre os dois personagens<br />

é indireta, com o projecionista descobrindo ao acaso o pão deixado pela moça<br />

em uma panela de arroz na bilheteria e a confirmação dessa descoberta conforme<br />

ela secretamente o observa montando em sua motocicleta com a panela<br />

de arroz nas mãos. 58 Enquanto ela caminha para casa sob a chuva forte, uma<br />

música dos anos 1960 começa a tocar e ouvimos os versos: “Sob a lua eu me<br />

57 Descrevendo esta exibição, Tsai recorda que “eu não poderia apenas<br />

dizer ‘corta’... [eu] queria chegar neste sentimento de que as coisas estão<br />

desaparecendo”. Citado em RAPFOGEL, Jared. “Taiwan’s Poet of Solitude: An<br />

Interview with Tsai Ming-liang”. Cineaste. V. XXIX, 2004. p. 28.<br />

58 A panela de arroz é mais um objeto recorrente nos filmes de Tsai, em lugar de<br />

destaque como um acessório familiar onipresente; para uma discussão sobre<br />

esse objeto ver YEH, Emilie Yueh-yu; DAVIS, Darrell William. Taiwan Film<br />

Directors: A Treasure Island. Nova York: Columbia University Press, 2005. P.<br />

227-28.<br />

o cinema ASSOMBRADO 185

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