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Volume 7 - Realismo Fantasmagórico

Realismo Fantasmagórico

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a um sentido de presença irrepresentável e irrealizável) numa espacialização<br />

do tempo, que se manifesta em comportamentos aparentemente compulsivos,<br />

comparáveis a uma resposta a um trauma – uma compulsão de repetir, um retorno<br />

obsessivo às mesmas cenas, encenando estes “retornos” como um modo<br />

de fornecer um envelope físico, para acrescentar uma marca à “evidência” da<br />

presença.<br />

Segundo, visto que esta ubiquidade não está atrelada a um outro humano,<br />

na realidade ela suspende a existência de um “outro”, suas formas de personificação<br />

são em si mesmas problemáticas-enigmáticas. Ela pode se manifestar em<br />

objetos ou “coisas” não sensíveis, e estas coisas entram no domínio da presença<br />

em formas aparentemente contraditórias: como efígies (impressões, esculturas,<br />

fotografias, objetos de fetiche ou até mesmo pedras, como em Primavera,<br />

verão, outono, inverno... e primavera, outro filme de Kim Ki-duk, de 2003) e<br />

como aparições (fantasmas, espíritos, criaturas post-mortem). Juntas, a efígie<br />

(como índice) e a aparição (como presença material-imaterial) constituiriam<br />

uma modalidade de evidência nesta nova ontologia. Um exemplo são as cenas<br />

finais de Casa vazia, nas quais a esposa, durante o tempo de prisão do jovem,<br />

revisita as casas após o retorno de seus proprietários, fazendo contato táctil<br />

com os objetos que compartilharam. Quando ele sai da prisão, ele a segue e<br />

faz o mesmo, mas de maneira invisível, “assombrando” as casas através da sua<br />

presença sentida, mas imaterial.<br />

Terceiro, as visitações fantasmagóricas das casas têm muito em comum,<br />

graças à câmera na mão, com os planos “subjetivos” em Steadicam, notórios<br />

dos filmes de terror. Mas estas são aqui prolongadas numa frontalidade generalizada.<br />

A premissa da história sobre como entrar nas casas alegoriza o aparente<br />

desejo perverso de tornar alguém um significante ou uma “obscuridade”<br />

e ainda assim conseguir deixar traços no campo perceptual do outro. A isto corresponde,<br />

do lado do espectador, uma frontalidade similarmente generalizada:<br />

protagonista e espectador tornam-se o outro do outro, mas não na analogia<br />

do espelho e sem agirem mais como convidados numa cerimônia, cujo acte de<br />

présence “autentica” o status evidenciador do evento. Cada um é a extensão<br />

perfeita da existência projetada do outro, sugerindo que o filme também é uma<br />

parábola sobre como treinar ou recalibrar o espectador como agente e o agente<br />

como espectador.<br />

Este novo espectador claramente responde aos hábitos de visionamento<br />

em transição da nossa cultura audiovisual, em que assistir a um filme tornou-se<br />

uma atividade infinitamente mais variada. Aos diferentes sites, telas<br />

56 REALISMO FANTASMAGÓRICO

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