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Volume 7 - Realismo Fantasmagórico

Realismo Fantasmagórico

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nos filmes de Apichatpong, mas ela não exclui o fato de que há uma rígida<br />

estrutura conceitualmente propositiva em suas imagens e sons. Mais do que<br />

isso, para além de uma composição temporal que ecoa aspectos do budismo,<br />

há uma explícita vontade de dialetizar uma dimensão “cósmica” e espiritual<br />

dos filmes com aspectos da realidade do presente; de tensionar o místico com<br />

o documental; o religioso com o secular; o divino com o humano. Dualidades<br />

sempre fizeram parte da filmografia de Apichatpong e elas correm o risco de se<br />

perder na defesa de uma fruição “puramente sensorial”.<br />

O sensorialismo também pode obliterar a violência presente em seu cinema.<br />

Ao se falar na sensação de feel-good de suas ambiências 19 , incorre-se<br />

no perigo de esquecer o rumor sutil de uma violência obscura que subjaz o<br />

universo de seus filmes. Essa violência compõe uma outra profunda camada<br />

das imagens de sua obra. Pois ao lado das múltiplas camadas temporais, reencarnações,<br />

aniquilações e recomeços, e ao lado do sensorialismo do presente<br />

(que não buscamos negar), há uma camada de tempo histórico (muitas vezes<br />

repleta de violência).<br />

Exemplos em que tal dimensão se faz presente encontraremos em muitos<br />

momentos de seus filmes. Em Eternamente sua, Min é um imigrante birmanês<br />

com uma estranha doença de pele que está em busca de um emprego e cujas<br />

memórias nostálgicas de sua terra natal vem à tona pela sua voz over (uma<br />

temporalidade pouco comentada nas críticas ao filme). Nesse mesmo filme, um<br />

karen, membro de uma etnia nativa da região ocidental da Tailândia e da fronteira<br />

com Myamar, atira (fora de campo) no amante de Orn, supostamente matando-o.<br />

O filme, além de mergulhar no presente das sensações, remete-se ao<br />

conflituoso universo de fronteiras e migrações. Em Mal dos trópicos, não apenas<br />

acompanhamos a perseguição mútua de um ser fantástico e de um soldado,<br />

mas no início do filme vemos um grupo de soldados tirando uma foto posando<br />

19 Felipe Bragança em entrevista pela Revista Cinética a Apichatpong usa o termo<br />

feel-good para descrever seu cinema, em contraposição a um certo mal-estar<br />

que ronda a arte contemporânea. Ver: BRAGANÇA, Felipe. “Seis perguntas para<br />

Apichatpong Weerasethakul”. In: Revista cinética, 2006. Disponível em: http://<br />

www.revistacinetica.com.br/entrevistajoe.htm. Acesso em 19 out. 2015. De<br />

maneira semelhante, é com esse termo que Luiz Carlos Oliveira Jr. descreve a<br />

sensação de leveza presente nos filmes do diretor (OLIVEIRA JR., Luiz Carlos.<br />

“...E o cinema continua”. In: Contracampo, nº 64-65, 2008. Disponível em: http://<br />

www.contracampo.com.br/64/cinemacontinua.htm Acesso em: 19 out. 2015.<br />

AS CAMADAS DO TEMPO 213

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