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intimamente implicada na crise misteriosa do filme e representa a voz vigorosa<br />
do oficialismo, esta mantém um traço da sua promessa original quando retorna<br />
a formas arcaicas, quando sua utilidade comercial ou de veículo de propaganda<br />
foi amplamente esgotada e, como os blocos de apartamentos em O buraco, permanecem<br />
como a cristalização de outro modelo de coletividade e comunidade.<br />
Adeus, Dragon Inn encena uma alegoria ainda mais elaborada de decadência<br />
e sobrevivência no cinema Fu-Ho, que enfrenta o fechamento iminente. Enquanto<br />
sua enorme tela homenageia o clássico taiwanês de King Hu, os espaços<br />
marginais—corredores de serviço, banheiros e armários de vassouras—do<br />
cinema tornam-se os lugares de encontros clandestinos, subversivos, eróticos.<br />
E no momento que talvez seja o mais impressionante do filme, a luz do projetor<br />
parece penetrar através da própria tela, um jogo de luz e sombras fundidas<br />
na face da bilheteria. Encenado em um cinema considerado obsoleto numa<br />
era caracterizada pelos hábitos de consumo da nova mídia, o filme evoca um<br />
espaço ao mesmo tempo doente e assombrado pelas relíquias de uma era antiga,<br />
assombrada sobretudo por uma falha em manter a promessa utópica personificada<br />
no cinema cavernoso construído para uma cidade do passado e seu<br />
público imaginado do futuro. O filme de Lee Kang-sheng The Missing (Bu Jian,<br />
2003) desenrola-se em espaços característicos de uma nova era, com a luz azul<br />
penetrante de um monitor substituindo a alternância entre a escuridão e a luz<br />
branca, e com o corpo do espectador agora achatado no plano da tela, criando<br />
um mundo de total compreensão e confinamento (Figura 3). A imagem é tudo,<br />
tornando obsoleta a geografia expandida do cinema prevista no filme de Tsai,<br />
uma zona que prolonga-se dos próprios assentos até a área por trás da tela,<br />
até a cabine de projeção, até os armários e corredores logo atrás da penumbra<br />
da imagem e finalmente até a totalidade de espaços públicos que se desenvolveram<br />
na órbita do cinema. Tsai apresenta a infraestrutura decadente de um<br />
cinema que não existe mais e exibe um arquivo de imagens cinematográficas<br />
e de ambição modernista, porém ambos estão agora isolados do espaço público<br />
que antes formava a ligação necessária entre o cinema e a cidade moderna.<br />
O centro esvazia; as últimas sombras saem do retângulo do enquadramento,<br />
provavelmente reclamando, mas felizmente não as ouvimos. O<br />
silêncio é agora reforçado pelo vazio: a imagem mostra lugares vazios, alguns<br />
escombros pisoteados. Alívio. . . acabou. Esta é a história da cidade. A<br />
cidade já não existe. Agora já podemos deixar o cinema 20 .<br />
20 KOOLHAAS, Rem; MAU, Bruce. “The Generic City”. In: SIGLER, Jennifer (Org.)<br />
Small, Medium, Large, Extra-Large. Nova York: Monacelli Press, 1995.<br />
278 REALISMO FANTASMAGÓRICO