06.02.2017 Views

Volume 7 - Realismo Fantasmagórico

Realismo Fantasmagórico

Realismo Fantasmagórico

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

paradeiro. Shun chega ao lugar derradeiro e novamente olha para o céu - talvez<br />

em busca de respostas; a câmera se afasta dos seus olhos cheios de dor, e o<br />

som de insetos enche o espaço sonoro, sufocando tudo o mais com esse ruído<br />

de vida. Algo se transformou dentro de Shun, agora que ele sabe do paradeiro<br />

do irmão, e de fato tudo parece mudado: sua mãe está grávida, o pai está empenhado<br />

no festival, Yu o beijou.<br />

Sob influência dessas novas emoções, Shun encontra condições para empenhar<br />

o seu gesto criador. É aí que pinta o quadro de Kei, finalmente faz as<br />

pazes com seu duplo, se regenera; prenúncio da nova vida, antecedente de um<br />

parto. Shun mostra o quadro ao pai, forçando-o, de certo modo, a encarar também<br />

o seu trauma -- a fitar Kei diretamente. Dessa confrontação nasce um dos<br />

momentos mais bonitos do filme, intimidade assustadiça de pai e filho; Taku<br />

fala sobre a perda: “Há muitas coisas que se esquecem. Algumas não podem<br />

ser esquecidas... e outras levam muito tempo para serem esquecidas.” E quando<br />

questionado pelo filho sobre a forma de esquecer, responde escrevendo num<br />

rompante de transe: “LUZ E SOMBRA”. Sabedoria para aceitar as sombras que<br />

participam do nosso interior tanto quanto a luz, é disso que se trata.<br />

De repente, sem mais nem menos, vem a chuva. É brusca e rápida como<br />

os movimentos dos dançarinos no espetáculo de abertura do Festival Basara.<br />

Mas antes dela, faz sol, e as roupas amarelas do cortejo reluzem; de fato, é um<br />

momento grandioso de celebração, explosão de cores, alegria. Toda a família se<br />

reúne na rua ao redor do espetáculo, todos admirados; Yu vai à frente dos dançarinos,<br />

orienta os movimentos; aqui, sua relação com Shun parece importar<br />

tanto quanto a sua relação com a mãe, reservado a cada um dos personagens o<br />

seu tempo de divertimento e contemplação na cena, a mise-en-scène trata de<br />

dar espaço a todos em cena, expressando que todas essas relações, familiares,<br />

amorosas, afetivas etc têm o seu devido valor. Pois bem, então começa a chover,<br />

e há essa espécie de gozo, êxtase divino, limpeza energética; ninguém vai embora<br />

fugindo da chuva, muito pelo contrário, é momento de deixar lavar, banho<br />

bom. E as convenções do ritual se rompem, e todos podem participar juntos<br />

da dança, livres, unidos; é bonito ver Shun, sempre silencioso e rígido demais,<br />

dançando às gargalhadas, batendo palmas sob a chuva; seu pai parece igualmente<br />

efusivo, sua mãe sorri encantada, Yu faz movimentos explosivos, seu<br />

corpo é um borrão sob a água grossa, união da terra e do céu, mistério, catarse.<br />

É providencial que Naomi Kawase construa umas das cenas mais belas de<br />

sua filmografia justamente em sua cidade natal, num festival local. Assim, ela<br />

trata de cristalizar e de divulgar esse momento glorioso de sua querida Nara,<br />

318 REALISMO FANTASMAGÓRICO

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!