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Volume 7 - Realismo Fantasmagórico

Realismo Fantasmagórico

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se olha no espelho. Shun está refletido no espelho quando ouve a conversa<br />

de seu pai com as autoridades: Kei foi encontrado. O filme não entra em<br />

maiores detalhes a esse respeito, não se propõe a explicar o desaparecimento<br />

em momento algum; esta não é uma história policial, não há investigação<br />

- a não ser dos sentimentos de uma família que sobrevive a duras penas.<br />

Segunda parte: o som das coisas<br />

Yu caminha ouvindo o som das coisas. Ambiência, ruidagem, som direto. A<br />

câmera que a segue não parece carregada do peso de morte que acompanha<br />

Shun, isso porque Yu desconhece a perda que sofreu quando recém-nascida;<br />

nós, também, só vamos ter conhecimento disso quando a mãe de Yu finalmente<br />

lhe fizer a grande revelação. Novamente, Kawase lança mão do plano-sequência,<br />

dessa vez para condensar outra forma de sentimento, para transmitir a<br />

sensação precisa dessa conversa fundamental, quando Yu e a mãe caminham<br />

por becos depois de comprarem chinelos alegremente, e o passado vem à tona<br />

numa viela escurecida sob o sol poente: o pai de Yu desapareceu há 17 anos, em<br />

circunstâncias tão misteriosas quanto o irmão de Shun; sua mãe é, na realidade,<br />

irmã de seu pai; da mãe biológica não se tem mais notícias, o desaparecimento<br />

do marido a pôs doente. Ao fim da história, Yu e sua mãe de criação saem do<br />

beco escuro e vão ter numa rua iluminada; o trajeto da sombra à luz repete o<br />

paradoxo vida-morte que percorre o filme.<br />

Aqui, é inserido mais um elemento de fantasmagoria, condensado num<br />

objeto: os chinelos que foram do pai de Yu, usados pela tia. O fato de serem os<br />

chinelos de um home desaparecido os acresce de carga emocional, mas também<br />

de um teor fantasmagórico; os chinelos representam o “morto” (presumivelmente),<br />

é o que restou dele no mundo físico. E mais uma vez Naomi Kawase<br />

complica os limites entre os mundos, inserindo na trilha sonora o som dos<br />

chinelos se arrastando pelo asfalto; assim sendo, o som direto aparece agora<br />

como som do outro mundo, não é mais o som despreocupado de um pé calçado<br />

que caminha, mas sim o eco de um ente desaparecido, ligação com o outro<br />

tempo, passado, memória.<br />

Se ficou provado que o som das coisas pode ser também o som do outro<br />

tempo, então é emblemática a cena que vem a seguir. Faz-se uma inversão:<br />

agora o som dos sinos aparece diegeticamente, no “mundo real” da narrativa.<br />

Trata-se de uma sequência de ritual, que reúne pessoas de várias gerações<br />

em torno de um grande cordão que passa de mão em mão, todos envolvidos<br />

316 REALISMO FANTASMAGÓRICO

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