F&N202
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MAHEZU<br />
Por: Carmo Neto<br />
ADEUS, AMIGO JOÃO!<br />
Sentados num lugar em que se acorda com o primeiro canto do galo, Bartolomeu de<br />
calças jeans coçadas, calçava sandálias de cabedal e usava cabelo curto e o João, um<br />
cambuta vigoroso com os músculos dos braços e das costas salientes, de cabelos<br />
crespos, olhos grossos sempre inquietos, também militante das jeans coçadas,<br />
olhos inquietos, esbanjavam diálogo.<br />
Folheavam, o tempo da avó Maria, com caligrafia elegante, dos tempos áureos<br />
do Quéssua, quando copiavam e liam "cabeça-braço-mão-perna-pé", a propósito dos erros<br />
ortográficos de hoje que os nossos doutores cometem sem vergonha. Pralém da desejável<br />
ressurreição generalizada dos quadros de honra em todos níveis do ensino.<br />
Cansaço não parecia percorrer suas veias. Mesmo com a queda do muro de Berlim, Bartolomeu<br />
aguardava pelo regresso do socialismo, diferente do João aparentemente despido das<br />
ideologias políticas da juventude.<br />
As horas retardavam o adeus da separação, quando a recordação era o tempo que mulheres<br />
com montanhas de carnes inflamadas rasgavam as roupas e eram assim consideradas as<br />
mais lindas!...Todos estes incêndios verbais pareciam adiar a reforma das suas idades.<br />
Espontaneamente, partilhavam gargalhadas. Pareciam mais velhos matulões repetentes<br />
que caçavam o lanche dos mais novos estudantes distraídos.<br />
Recordando Selmira, que vestia quase sempre mini saias e de salto alto, a menina mais linda<br />
do liceu, o que a tornava mais atraente ainda era o facto de que conduzia uma mini-Honda<br />
(rainha da elegância virou baleia da elegância!).Ou dos professores serenos com óculos de alta<br />
graduação capazes de descobrirem as mais bem escondidas cábulas.<br />
As horas retardavam o adeus para o dia seguinte, sobretudo quando a razão fosse o grau<br />
comparativo de desenvolvimento nacional se melhor aliados fossemos sempre do mundo<br />
desenvolvido.<br />
Sendo filhos de gente importante, era curioso o pingue-pongue do João e Bartolomeu sobre<br />
geografia universal, dois velhos amigos, orgulho do liceu da época:<br />
-Devemos ser nós próprios com os nossos milionários angolanos a desenvolver o país,<br />
afirmou o João.<br />
-Mas porquê? -questionou o Bartolomeu, bruscamente agitado .-Deves ser mais global<br />
porque o mundo hoje é uma aldeia.<br />
-Porque já vamos bem melhor só com os nossos - respondeu ele, de voz excitante. -Nossos<br />
milionários já ajudam o país a crescer.<br />
-Ah, isso é uma anedota-retorquiu o Bartolomeu, muito agitado. -Temos que estar com o<br />
mundo. Ao contrário, não vamos longe.Com os outros países do mundo seria uma boa aliança.<br />
-Não concordo, concluiu o João de forma categórica.<br />
De repente, o telemóvel reivindica que Bartolomeu atendesse a chamada. Levou tempo<br />
pra o efeito. Fixou o aparelho sobre o ouvido a mascarar pra o João que nem tudo entendia,<br />
mas mal ouvia a chamada do seu chefe milionário pra viabilizar sua ida pra os Estados Unidos<br />
acompanhado da secretária antecedida do curso básico de língua inglesa, corria pra o aparelho.<br />
Bartolomeu sempre assumiu a magia do romantismo fatal e das esperanças utópicas do<br />
fim do capitalismo. Mesmo contrariado com a nostalgia do ideal, frequentou o curso de inglês<br />
pra sua superação profissional nos Estados Unidos, questionando sempre a incompetência da<br />
secretária, cujo inglês resumia-se ao yes, mas usava cabelo tratado de véspera com uma parte<br />
do postiço a cair-lhe de lado e vestia um vestido de um dos melhores costureiros portugueses,<br />
mesmo a viver em Angola tratava do cabelo em Portugal.<br />
No seu quintal a jogar pingue-pongue durante a despedida fartou-se Bartolomeu de ouvir o<br />
conselho pra melhor aproveitamento do curso. João murmurou-lhe palavras meigas e seu pai<br />
observava pra ele com um ar de alegria. Todos desejaram-lhe boa sorte.<br />
Pessoas de todas as cores e etnias, desempregados e trabalhadores, todos desejavam o<br />
destino da boa sorte e ele numa carta endereçada ao velho amigo, não tardou em responder, a<br />
partir da América, a devolver o encorajamento no fim escreveu ao amigo João:<br />
Adeus, amigo João! Mahezu, ngana!<br />
Figuras&Negócios - Nº 202 - JUlHO 2019 23