F&N202
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REPORTAGEM<br />
EM ANGOLA E MOÇAMBIQUE<br />
MUITOS TRABALHADORES<br />
SEROPOSITIVOS SÃO DISCRIMINADOS<br />
Contra a legislação, instituições públicas e privadas continuam a negar o acesso ao emprego<br />
a pessoas que vivem com HIV/SIDA em Moçambique e Angola. Ouvimos as vítimas<br />
e as associações preocupadas com a discriminação<br />
Texto: Amós Zacarias<br />
Foto: DW/M. Luamba<br />
Joana Francisco é uma jovem<br />
moçambicana. Tem 26 anos e<br />
há três descobriu que é seropositiva.<br />
Na altura, era empregada<br />
doméstica. Não revelou o seu<br />
estado serológico aos patrões.<br />
Quando a patroa descobriu que era<br />
seropositiva, mandou-a embora. Igualmente,<br />
Joana viu congelados os salários<br />
de três meses que estavam em atraso<br />
"Fiquei doente, fui ao hospital, deixei<br />
meus comprimidos em cima da<br />
cama, a minha patroa entrou no meu<br />
quarto viu aqueles comprimidos e me<br />
mandou embora", conta a jovem que<br />
ainda luta para reaver os seus salários.<br />
"Ela negou pagar-me, alegando que<br />
quer levar aquele valor ao hospital para<br />
fazer o exame aos filhos para saber se<br />
ficaram infectados ou não".<br />
A lei 19/2014 para a Proteção da<br />
Pessoa, do Trabalhador e do Candidato<br />
a Emprego Vivendo com HIV e SIDA, em<br />
Moçambique, estabelece que "pessoas<br />
vivendo com HIV/SIDA não devem ser<br />
discriminadas ou estigmatizadas em razão<br />
do seu estado de seropositividade".<br />
Olhando para o caso de Joana Francisco,<br />
a jurista moçambicana Firosa Zacarias<br />
não tem dúvidas: "Não há espaço<br />
para cativar o salário dela, porque descobriram<br />
que é seropositiva". "Como é<br />
que esta senhora vai provar que antes<br />
da empregada começar a trabalhar<br />
na sua casa ela não era seropositiva?",<br />
questiona a jurista.<br />
Firosa Zacarias afirma mesmo que<br />
há espaço para uma responsabilzação<br />
criminal: "Esta trabalhadora deve procurar<br />
instituições que possam defender<br />
a causa dela e ela tem direito ao seu<br />
salário".<br />
Em Moçambique, há muitos casos<br />
semelhantes, diz Judite de Jesus, coordenadora<br />
da associação Hi Xikamwe,<br />
que apoia pessoas vivendo com o HIV<br />
nos arredores da cidade de Maputo.<br />
"Trabalhamos com muitas mulheres<br />
que passaram por uma situação idêntica.<br />
Pessoalmente, com as minhas assistentes<br />
sociais, vamos dar andamento<br />
jurídico destes casos", garante.<br />
Um estudo publicado em 2013 pela<br />
ONUSIDA aponta que 6,5% das pessoas<br />
seropositivas em Moçambique tinham<br />
perdido seus postos de trabalho.<br />
O mesmo documento indica que 9,7%<br />
das pessoas entrevistadas consideram<br />
que foram afastadas por serem seropositivas.<br />
34 Figuras&Negócios - Nº 202 - JUlHO 2019