F&N202
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MUNDO<br />
AS CONSEQUÊNCIAS SÃO BRUTAIS EM TODO O MUNDO...<br />
POR QUE<br />
OS PSICOPATAS<br />
CHEGAM AO PODER?<br />
Há uma dimensão pouco examinada no avanço das lógicas neoliberais. Um sistema que<br />
estimula competição, disputa e rivalismo produzirá “líderes” brutais e sem empatia. Eleger<br />
gente generosa e sensível requer uma nova democracia<br />
Texto: George Monbiot | Outras Palavras / Fotos: Arquivo NET<br />
Quem, em seu juízo<br />
perfeito, poderia desejar<br />
esse trabalho?<br />
É quase certo que<br />
acabará, como descobriu<br />
Theresa May, em<br />
fracasso e execração pública. Procurar<br />
ser primeiro-ministro britânico,<br />
hoje, sugere ou confiança imprudente<br />
ou fome insaciável de poder.<br />
Talvez necessitemos de uma ironia<br />
como a de Groucho Marx: alguém<br />
louco o suficiente para candidatar-se<br />
a essa função deveria ser desqualificado<br />
para concorrer.<br />
Alguns anos atrás, a psicóloga<br />
Michelle Roya Rad listou as características<br />
de uma boa liderança. Entre<br />
elas figuravam justiça e objectividade,<br />
desejo de servir à sociedade<br />
e não a si mesmo, falta de interesse<br />
em ser famoso e ocupar o centro das<br />
atenções, resistência à tentação de<br />
esconder a verdade ou fazer promessas<br />
impossíveis. Por outro lado, um<br />
artigo publicado no Journal of Public<br />
Management & Social Policy (Jornal<br />
de Gestão Pública e Política Social)<br />
listou as características de líderes<br />
com personalidade psicopata, narcisista<br />
ou maquiavélica. Elas incluem:<br />
tendência à manipulação dos outros,<br />
disposição em mentir e enganar para<br />
alcançar seus objectivos, falta de remorso<br />
e sensibilidade, desejo de admiração,<br />
atenção, prestígio e status.<br />
Quais dessas características descrevem<br />
melhor as pessoas que estão<br />
competindo para ser “governantes”<br />
no mundo contemporâneo?<br />
“<br />
Para algumas pessoas,<br />
é mais fácil comandar<br />
uma nação, mandar<br />
milhares para a morte em<br />
guerras desnecessárias,<br />
separar crianças de suas<br />
famílias e infligir sofrimentos<br />
terríveis do que<br />
processar sua própria dor<br />
e trauma<br />
“<br />
Na política, vê-se em todo lado<br />
o que parece ser a externalização<br />
de déficits ou feridas psíquicas. Sigmund<br />
Freud afirmou que “os grupos<br />
assumem a personalidade do líder”.<br />
Penso que seria mais preciso dizer<br />
que as tragédias privadas dos poderosos<br />
tornam-se as tragédias públicas<br />
daqueles que eles dominam.<br />
Para algumas pessoas, é mais<br />
fácil comandar uma nação, mandar<br />
milhares para a morte em guerras<br />
desnecessárias, separar crianças de<br />
suas famílias e infligir sofrimentos<br />
terríveis do que processar sua própria<br />
dor e trauma. Aparentemente, o<br />
que vemos na política, em todos os<br />
cantos, é uma manifestação pública<br />
de profunda angústia privada.<br />
Essa talvez seja uma força particularmente<br />
forte na política britânica.<br />
O psicoterapeuta Nich Duffell<br />
escreveu sobre “líderes feridos”,<br />
que foram separados da família na<br />
primeira infância para ser enviados<br />
ao colégio interno. Eles desenvolveram<br />
uma “personalidade de sobrevivente”,<br />
aprendendo a reprimir seus<br />
sentimentos e projectar um falso eu,<br />
caracterizado pela demonstração<br />
pública de competência e autoconfiança.<br />
Sob essa persona está uma<br />
profunda insegurança, que pode gerar<br />
necessidade insaciável de poder,<br />
prestígio e atenção. O resultado disso<br />
é um sistema que “sempre revela<br />
pessoas que parecem muito mais<br />
competentes do que realmente são”.<br />
O problema não está confinado a<br />
estas paragens. Donald Trump ocupa<br />
a cadeira mais poderosa do planeta,<br />
e ainda assim parece roer-se de in-<br />
60 Figuras&Negócios - Nº 202 - JUlHO 2019