F&N202
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MUNDO<br />
par de uma eleição nacional passar<br />
por uma formação em psicoterapia.<br />
A conclusão do curso seria a qualificação<br />
para o cargo. Isso não mudaria<br />
o comportamento de psicopatas,<br />
mas poderia evitar que, ao exercer<br />
o poder, certas pessoas impusessem<br />
sobre os outros suas próprias feridas<br />
profundas. Fiz dois cursos: um influenciado<br />
por Freud e Donald Winnicott,<br />
outro cuja abordagem tinha<br />
foco na compaixão de Paul Gilbert.<br />
Considero os dois extremamente<br />
úteis. Penso que quase todo mundo<br />
se beneficiaria desses tratamentos.<br />
A psicoterapia não iria garantir<br />
uma política mais gentil. A abertura<br />
admirável de Alastair Campbell ao<br />
falar sobre sua terapia e saúde mental<br />
não o impediu de comportar-se –<br />
quando desempenhou as funções de<br />
assessor político e porta-voz de Tony<br />
Blair – como um valentão desbocado,<br />
que intimidava as pessoas a apoiar<br />
uma guerra ilegal, em que centenas<br />
de milhares de pessoas morreram.<br />
Tanto quanto sei, não demonstrou<br />
remorso por seu papel nessa guerra<br />
agressiva, que cabe na definição de<br />
“crime internacional supremo” do<br />
tribunal de Nuremberg.<br />
O problema, na verdade, é o sistema<br />
no qual essas pessoas competem.<br />
Personalidades tóxicas prosperam<br />
em ambientes tóxicos. Aqueles que<br />
veja e ressentimento. “Se o presidente<br />
Obama tivesse feito os acordos<br />
que fiz”, afirmou há pouco, “a mídia<br />
corrupta os consideraria incríveis…<br />
Para mim, apesar do nosso recorde<br />
em economia e tudo o que fiz, não há<br />
crédito!”. Nenhuma riqueza ou poder<br />
parece capaz de satisfazer sua necessidade<br />
de afirmação e segurança.<br />
Penso que deveria ser necessário<br />
a qualquer um que quisesse particideveriam<br />
ser menos confiáveis para<br />
assumir o poder são justamente os<br />
que mais provavelmente vencerão.<br />
Um estudo publicado no Journal of<br />
Personality and Social Psychology sugere<br />
que o grupo de traços psicóticos<br />
conhecido como “domínio sem medo”<br />
está associado a comportamentos<br />
amplamente valorizados nos líderes,<br />
tais como tomar decisões ousadas e<br />
sobressair-se no cenário mundial. Se<br />
assim for, nós, por certo, valorizamos<br />
as características erradas. Se para alcançar<br />
o sucesso no sistema é necessário<br />
ter traços psicopatas, há algo<br />
errado com o sistema.<br />
Para pensar uma política eficiente,<br />
talvez fosse útil trabalhar de trás<br />
para frente: primeiro decidir que<br />
tipo de gente gostaríamos que nos<br />
representassem e depois criar um<br />
sistema que as levasse ao primeiro<br />
plano. Quero ser representado por<br />
pessoas ponderadas, conscientes de<br />
si e colaborativas. Como seria um sistema<br />
que promovesse essas pessoas?<br />
Não seria uma democracia puramente<br />
representativa. Esse tipo de<br />
democracia funciona com o princípio<br />
do consenso presumido: você me elegeu<br />
há três anos, então presumo que<br />
consentiu com a política que estou<br />
para implementar, não importa se<br />
na época eu a mencionei ou não. Ela<br />
recompensa os líderes “fortes e determinados”<br />
que tão frequentemente<br />
levam suas nações à catástrofe. Um<br />
sistema que fortaleça a democracia<br />
representativa com democracia participativa<br />
– assembleias de cidadãos,<br />
orçamento participativo, co-criação<br />
de políticas públicas – tem mais possibilidades<br />
de recompensar os políticos<br />
sensíveis e atenciosos. A representação<br />
proporcional, que impede<br />
governos com apoio minoritário de<br />
dominar a nação, é outra salvaguarda<br />
potencial (embora não seja garantia).<br />
Ao repensar a política, é preciso<br />
desenvolver sistemas que incentivem<br />
gentileza, empatia e inteligência<br />
emocional. É preciso nos desvencilhar<br />
de sistemas que encorajem as<br />
pessoas a esconder sua dor e dominar<br />
os outros.<br />
Figuras&Negócios - Nº 202 - JUlHO 2019 61