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DRAMÁTICA NARRATIVA - Leia Brasil

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PROPOSTA DE LEITURA DE MUNDO ATRAVÉS DA <strong>NARRATIVA</strong> <strong>DRAMÁTICA</strong><br />

DRAMATURGIA<br />

de toda a evolução, nada mudou dos gregos até hoje.<br />

Pode-se fazer um espetáculo teatral sobre os malefícios<br />

de trânsito sem mostrar um único automóvel. O que, de<br />

fato, importa, quando o teatro trata desse tema, não é<br />

mostrar automóveis, fumaça, poluição, engarrafamentos,<br />

acidentes – mas de que maneira todos esses problemas<br />

afetam o homem, repercutem na sua saúde, na sua vida<br />

etc. O que importa é sempre o homem.<br />

A expressão teatral está tão profundamente imbricada<br />

na natureza humana e na condição humana, que é<br />

quase impossível estabelecer a fronteira de uma atividade<br />

mais genérica e o teatro propriamente dito. Pode-se<br />

perceber a dificuldade observando o<br />

lúdico jogo teatral presente quando<br />

crianças brincam de Papai e Mamãe,<br />

de Mocinho e Bandido, ou mimetizando<br />

as relações entre os animais –<br />

nesses jogos infantis, as crianças já estão<br />

assimilando papéis que poderão<br />

desempenhar na vida adulta – note<br />

que a palavra “papéis” veio do teatro.<br />

E não é teatral a técnica de reconstituição<br />

de cenas de crimes para a polícia<br />

conferir a plausibilidade e verossimilhança<br />

de depoimentos e confissões<br />

dos suspeitos? A essência do teatro é<br />

o ser humano, repito. Costumo dizer<br />

que, na sua essência última, uma<br />

possibilidade de verbalizar o teatro<br />

com infantil crueza poderia ser: gente<br />

imitando gente, para gente ver. O ser humano é a<br />

razão de ser, o objeto da criação e o destino desta arte,<br />

sem passar pela intermediação de câmeras, celulóides<br />

ou vídeo-tapes; telas, tintas e pincéis. Desta essência singela<br />

e profunda o teatro não pode escapar, porque esta<br />

é a natureza mesma da sua expressão. Ontem, hoje e<br />

sempre, aqui e em qualquer lugar, pode-se fazer teatro<br />

– já se fez, se faz e se fará! – eventualmente sem palco,<br />

sem iluminação, sem figurino, sem música, sem maquiagem.<br />

Mas é impossível fazer teatro sem o homem,<br />

que é, ao mesmo tempo, a matéria-prima, o meio e o<br />

destino da criação teatral. Por isso não se pode fazer<br />

teatro sem o ator/atriz – que, sendo um ser humano<br />

capaz de representar os demais seres humanos – é o<br />

elemento duplamente central do teatro, o que só confirma<br />

a sua radicalidade humana.<br />

...o teatro oscila entre o<br />

sublime e o ridículo, entre<br />

as estrelas e a lama; é tão<br />

impuro e frágil como o<br />

próprio homem – o que,<br />

embora pareça o seu<br />

pecado, é a sua<br />

extraordinária virtude,<br />

pois é exatamente por<br />

ter o corpo na lama e o<br />

espírito nos céus que o<br />

teatro tem estado tão<br />

próximo do homem.<br />

14<br />

Tendo o ser humano – em todo o seu infinito espectro<br />

de variações, de cultura, idade, gênero, etnia, classe<br />

social, crença religiosa, costumes, valores, ideologias, sonhos,<br />

desejos, ambições etc. – como sua matéria prima,<br />

como seu meio de expressão e como destinação da sua<br />

criação, o teatro precisa conhecer o ser humano em toda<br />

a sua profundidade. Como sabemos, desde Aristóteles,<br />

que o homem é, e suas circunstâncias; ou seja, ninguém<br />

é em absoluto, um ser autônomo à sociedade e ao mundo<br />

em que vive, imune à fricção com o outro e com a<br />

sua realidade. Para entender o homem, o teatro não pode<br />

abdicar de compreender as circunstâncias que envolvem<br />

o homem concreto. Cada homem é<br />

resultado da interação da sua subjetividade<br />

– seus sonhos, desejos, afetos,<br />

frustrações, ódios e invejas, confessos,<br />

ocultos e até inconscientes – com a realidade<br />

objetiva que o cerca: onde<br />

mora, onde trabalha, sua saúde, quanto<br />

ganha, as pessoas com quem se relaciona,<br />

o pai, a mãe, os amigos e rivais,<br />

suas vitórias e frustrações. O teatro<br />

se interessa pelos seres humanos,<br />

por todos os seres humanos, sem qualquer<br />

exceção: os bons, assim como os<br />

maus, os assassinos e os benfeitores,<br />

ladrões e filantropos, feios e bonitos,<br />

verdadeiros e mentirosos, justos e injustos,<br />

anjos e canalhas, gordos e magros,<br />

ladrões e honestos, loucos e lúcidos,<br />

santas e prostitutas – sob qualquer desses adjetivos<br />

há um ser humano, por ele se interessa o teatro. Usando<br />

uma metáfora religiosa, o teatro admite como hipótese<br />

de trabalho que em todo homem repousa um anjo e um<br />

demônio, sem preferências por um ou outro. A índole,<br />

as circunstâncias ou ambas podem fazer aflorar um, outro<br />

ou ambos – para o teatro é indiferente qual deles; o<br />

autor fará suas escolhas segundo sua visão de mundo.<br />

Enfim, o teatro não se interessa pelas categorias anjo e<br />

demônio, mas pode, eventualmente, tratar de anjos e<br />

demônios porque trata do homem. A cada homem, qualquer<br />

que seja o adjetivo com que se possa qualificá-lo, o<br />

teatro chama de personagem e faz dele o centro do seu<br />

interesse. Por isso o teatro oscila entre o sublime e o ridículo,<br />

entre as estrelas e a lama; é tão impuro e frágil como<br />

o próprio homem – o que, embora pareça o seu pecado,

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