DRAMÁTICA NARRATIVA - Leia Brasil
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P R O P O S T A D E L E I T U R A D E M U N D O A T R A V É S D A N A R R A T I V A D R A M Á T I C A<br />
de peças de caráter amador, sem fins lucrativos, tudo<br />
é permitido.<br />
A primeira e mais importante parte do processo de<br />
criação de uma trilha sonora é a intenção de cada música<br />
a ser utilizada. Durante muitos anos havia a noção de<br />
que, para um momento triste na peça, haveria a necessidade<br />
de uma música de caráter dramático; em uma cena<br />
de amor, temas românticos; na hora do humor, músicas<br />
engraçadas. Não afirmo que são escolhas equivocadas,<br />
mas são óbvias. Simplesmente reafirmam o que o texto e<br />
a cena já estão dizendo ou mostrando. Nas novas tendências<br />
teatrais, a música pode – e deve – ser utilizada<br />
como mais um fator de opinião do grupo.<br />
Cito o exemplo de uma peça dos anos 70. O texto<br />
era Ralé Ralé, Ralé de Gorki, escrita em 1901, na Rússia. Uma das<br />
mais fortes cenas é quando uma personagem está morrendo<br />
de tuberculose. Enquanto se esperava que eu colocasse<br />
um forte impacto erudito, Wagner, por exemplo,<br />
propus que fossem utilizados sons de máquinas de uma<br />
fábrica. Houve um espanto geral, uma vez que não havia<br />
nenhuma menção a isso no texto. Defendi a idéia de<br />
que o que estava matando a personagem não era somente<br />
a miséria reinante na Rússia pré-revolucionária, mas<br />
também e principalmente a chegada galopante de uma<br />
revolução industrial que faria profundas alterações no<br />
mercado de trabalho não só dos russos, mas de todo o<br />
mundo, inclusive do <strong>Brasil</strong>. Estes sons tornaram-se assim<br />
um fator dramático inédito, uma fonte de informação<br />
e uma quebra no processo fácil de representar-se o<br />
sofrimento de alguém com uma música triste. Afinal, no<br />
teatro, as situações tensas de cada personagem são únicas<br />
naquele momento e requerem uma abordagem particular,<br />
pensada, nova.<br />
Como contraponto, cito uma situação de como um<br />
simples hino de um clube de futebol pode ser entendido<br />
pela platéia de forma bem humorada.<br />
O espetáculo, também nos anos 70, pretendia-se<br />
crítico ante os desmandos das sucessivas ditaduras militares<br />
que assolaram o país. Mas havia o impedimento<br />
sério da censura a todas as peças que se atrevessem a desafiar<br />
o pensamento monolítico e violento dos ditadores.<br />
O diretor da peça, não podendo citar o ditador de<br />
plantão à época, colocou em cena o discurso de um antigo<br />
político do <strong>Brasil</strong> Império. Este discurso era claramente<br />
populista e dizia praticamente as mesmas coisas<br />
que o general ditador discursava no ano daquele espetá-<br />
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culo: que ele amava o povo, que ele só esperava o crescimento<br />
da economia do país para melhorar a vida dos<br />
pobres. Nesse momento, o ator, vestido com roupa de<br />
época, parava de falar e ouviam-se as primeiras notas do<br />
hino do Flamengo (“... uma vez, Flamengo, sempre<br />
Flamengo”). Bastava isso para que a platéia caísse na gargalhada.<br />
Todos entendiam na hora que era uma alusão<br />
ao ditador populista que ia ao Maracanã para mostrar<br />
que era “do povo”, torcedor fanático do Flamengo. Então,<br />
sem uma palavra e com apenas onze notas musicais,<br />
conseguíamos a cumplicidade da platéia para nossas idéias,<br />
e, ao mesmo tempo, deixávamos clara a existência de<br />
uma censura que proibia nossa livre expressão.<br />
Mais uma clara situação de humor foi em uma outra<br />
peça, uma comédia dos anos 80. Era necessário um<br />
tempo de passagem para que dois atores tivessem tempo<br />
de trocar de roupa. Na ocasião, o conflito entre árabes e<br />
judeus estava no auge, a guerra era iminente. Coloquei<br />
em um canto do palco, um ator vestido de árabe segu-<br />
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