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DRAMÁTICA NARRATIVA - Leia Brasil

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P R O P O S T A D E L E I T U R A D E M U N D O A T R A V É S D A N A R R A T I V A D R A M Á T I C A<br />

palavras enunciadas – as<br />

maneiras de perceber e<br />

reagir são reveladoras da<br />

índole e do caráter de<br />

cada um. A leitura de<br />

uma peça não se limita,<br />

portanto, às palavras do<br />

diálogo, mas estende-se<br />

à repercussão das palavras<br />

em cada personagem.<br />

Lê-se a subjetividade<br />

das personagens e as<br />

relações entre elas, não<br />

Ritual Dionisíaco. Divulgação.<br />

apenas as palavras. O dramaturgo, diferentemente<br />

do romancista, não podendo<br />

desvelar as intenções das personagens,<br />

oculta-as na sua maneira de falar,<br />

na maneira de silenciar, na sua maneira<br />

de perceber e na sua maneira de reagir.<br />

Personagens ocultam-se nas falas, nos<br />

silêncios, nas percepções e nas reações.<br />

Elas se desvelam nas intenções e nas<br />

ações.<br />

Muitas outras informações estão,<br />

se não ocultas, subtendidas nas falas<br />

das personagens. E empenhar-se em<br />

desentocá-las, trazê-las à luz e entendê-las<br />

é o objetivo da leitura de uma<br />

peça. Imagine a cena em que uma personagem<br />

diz à outra: “Corra até à Farmácia<br />

Popular e compra o remédio da<br />

mamãe”. É evidente a pressa para comprar o remédio,<br />

pois a ordem é para ir correndo. Significa que o medicamento<br />

deve ser aplicado ou tomado com urgência. Quem<br />

fala está apressado e parece aflito. Parece que a mãe não<br />

está bem, talvez até esteja passando mal, quem sabe em<br />

estado grave. E trata-se de doença conhecida, o nome<br />

dela não é mencionado, nem o do remédio. Sugere algum<br />

medicamento de uso constante, cujo nome todos<br />

conhecem. Por que um medicamento, ao mesmo tempo<br />

rotineiro e importante, não está à mão? Parece que a<br />

pessoa responsável não notou que estava acabando. Ou<br />

notou e, por negligência ou esquecimento, não comprou.<br />

Há um indício curioso na fala: a referência à Farmácia<br />

Popular. Designar, numa emergência, o nome do estabelecimento<br />

comercial é uma informação dramática. E, na<br />

Ler uma peça de<br />

teatro não é ler os<br />

diálogos, mas as<br />

repercussões em cada<br />

personagem do que foi<br />

dito, a maneira particular<br />

e pessoal com que cada<br />

personagem absorve as<br />

palavras enunciadas –<br />

as maneiras de perceber<br />

e reagir são reveladoras<br />

da índole e do caráter<br />

de cada um.<br />

25<br />

nossa cultura, o nome<br />

Popular identifica comércio<br />

para o povo<br />

que, no <strong>Brasil</strong>, é sempre<br />

entendido como<br />

pobre. Apesar da urgência,<br />

o medicamento<br />

deverá ser comprado<br />

numa farmácia que<br />

tem preço acessível a<br />

pessoas pobres. Na correria<br />

da emergência,<br />

opta-se não pela farmácia<br />

mais próxima ou mais completa,<br />

mas pela de preço baixo: as personagens<br />

são certamente pobres. O que<br />

cria uma possibilidade de muita dramaticidade:<br />

a de que o remédio não<br />

foi comprado por falta de dinheiro.<br />

Nesse singelo exercício de descortinar<br />

uma curta fala, pode-se perceber<br />

o quanto o diálogo teatral oculta<br />

intencionalmente informações importantes<br />

para se entenderem as circunstâncias<br />

em que as personagens estão<br />

metidas, as necessidades e emoções<br />

que impulsionam a ação e as razões<br />

para as personagens agirem.<br />

Uma última observação, que<br />

pode parecer óbvia, mas estou seguro<br />

de que não o é – daí a insistência em<br />

repeti-la toda vez que falo ou escrevo sobre essas duas<br />

ou três coisas que sei da dramaturgia. A peça teatral não<br />

é escrita para ser lida, mas para ser encenada. Todas as<br />

suas virtudes e deficiências, que podem eventualmente<br />

não ser percebidas numa leitura silenciosa individual,<br />

crescem e se destacam quando lidas-interpretadas por<br />

atores, em voz alta – antes mesmo de ser encenada. Este<br />

é o momento de, se for o caso, fazer ajustes e correções<br />

ou mesmo reescrever a peça. E, quando, enfim, ganha o<br />

palco numa encenação completa e acabada, as virtudes<br />

e deficiências agigantam-se... Mas, a essa altura, caberá<br />

ao público dar as suas impressões.<br />

ALCIONE ARAÚJO Curador do Programa de Leitura da Petrobras<br />

da Bacia de Campos.

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