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DRAMÁTICA NARRATIVA - Leia Brasil

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PROPOSTA DE LEITURA DE MUNDO ATRAVÉS DA <strong>NARRATIVA</strong> <strong>DRAMÁTICA</strong><br />

DRAMATURGIA<br />

sucedem, que é a estrutura. A reiteração da palavra “escrita”<br />

tem a intenção de grifar que o dramaturgo as escreveu.<br />

Criou, portanto, como um escritor: usou a língua<br />

para registrar num papel sua peça teatral que, depois,<br />

num outro momento, distinto daquele em que escreveu,<br />

será encenada por um diretor, representada por atores<br />

e atrizes, num ambiente criado pelo cenógrafo, trajando<br />

figurinos criados pelo figurinista, usando maquiagens<br />

criadas por um maquiador etc. etc... enfim, envolvendo<br />

todo o espectro de profissionais que participam<br />

da criação de um espetáculo teatral. Mas, voltando ao<br />

trabalho do dramaturgo, numa simplificação que favoreça<br />

o entendimento preliminar, uma peça teatral é uma<br />

obra escrita, do gênero narrativo dramático, constituída<br />

de cenas que se sucedem, nas quais<br />

as personagens se relacionam. Drama-<br />

turgo é o autor da peça teatral; diretor<br />

é o autor do espetáculo teatral –<br />

realizado com a própria peça e com<br />

os atores, cenógrafos, figurinistas, músicos,<br />

iluminadores etc. etc.<br />

Como o teatro fez do homem –<br />

de todos os homens – o centro do seu<br />

interesse, a dramaturgia faz das personagens<br />

– de todas as personagens – o<br />

centro do seu interesse. Por isso, dizse<br />

que o teatro é antropocêntrico: alça<br />

o homem ao centro do mundo, e faz<br />

do palco o altar de celebração da natureza<br />

e da condição humanas. Uma personagem não é,<br />

nem pode ser um homem real – é bom que se distinga.<br />

O homem só existe, digamos “in natura” – numa sociedade<br />

concreta, sob a passagem concreta do tempo, que<br />

o envelhece a cada segundo, tendo a sua dimensão biológica,<br />

na qual, a cada instante, células nascem e morrem,<br />

e a sua dimensão cultural, na qual sofre por um<br />

time de futebol ou acredita numa religião. O homem<br />

real sente dor de cabeça, lava as mãos antes das refeições,<br />

gasta um tempo fazendo as refeições, dorme oito horas<br />

por dia, perde muitas horas com a higiene pessoal, outras<br />

tantas diante da televisão... enfim, vive a sua vida<br />

em estado natural. Não é assim com a personagem de<br />

ficção, que não lava as mãos antes das refeições e, na<br />

maior parte das peças, não se os vê fazendo as refeições<br />

e, às vezes, nem se fala em refeição; tampouco vão ao<br />

banheiro nem gastam horas debaixo do chuveiro, sim-<br />

O texto teatral tem essa<br />

curiosa característica:<br />

é uma escrita destinada<br />

a ser falada. É uma fala<br />

escrita à espera de uma<br />

voz, uma intenção, um<br />

ritmo, uma emoção,<br />

enfim à espera de um<br />

ser humano que lhe<br />

empreste corpo e vida.<br />

18<br />

plesmente porque essas trivialidades, comuns a todos os<br />

homens, não são essenciais – de novo o teatro como arte<br />

do essencial – à percepção da personagem pelo público.<br />

Quando, eventualmente, há cenas de jantares ou em<br />

banheiros é porque algo de muito importante para a personagem<br />

– essencial à sua percepção pelo público ou à<br />

sua trajetória a partir dali – acontecerá durante o banho<br />

ou o jantar, porque não se deve montar – escrever, ensaiar<br />

e encenar – cenas que não sejam essenciais à compreensão<br />

das personagens, ou que não contribuam para o<br />

entendimento da narrativa.<br />

Como foi dito, a personagem de ficção não é, evidentemente,<br />

uma pessoa real, mas o dramaturgo se empenha,<br />

faz todo o esforço para que ela dê a impressão,<br />

para que o espectador a acolha, como<br />

se fosse. Na verdade, numa encena-<br />

ção teatral, o que há de real é a platéia,<br />

porque o que acontece no palco<br />

é uma mentira, minuciosamente inventada,<br />

em que todos – diretor, atores,<br />

cenógrafo, figurinista etc., – se esforçam<br />

para fazer crer que, mesmo não<br />

sendo real, é verdadeira. E o espectador,<br />

mesmo sabendo que aquele verdadeiro<br />

não é real, suspende temporariamente<br />

as suas dúvidas e dá um<br />

voto de confiança, desde que aquilo<br />

que está sendo mostrado seja plausível<br />

e verossímil. Uma personagem de<br />

ficção é um recorte no que seria a vida de um homem<br />

real, no qual aparecem enfatizadas e realçadas aquelas<br />

características que são definidoras da sua personalidade,<br />

do seu caráter, dos seus desejos, dos seus sonhos e ambições,<br />

e não somente as características objetivas, mas também<br />

– diria até, sobretudo – as subjetivas. E isso precisa<br />

ser feito com rigor e precisão porque há personagens que<br />

só aparecem em três, quatro ou cinco cenas. Há casos<br />

em que só aparecem em uma cena – e, no entanto, é<br />

preciso que o espectador consiga perceber, intuir ou adivinhar<br />

o ser humano que se oculta atrás daquelas palavras,<br />

ou na situação mostrada naquela única cena. Podese<br />

deduzir que a personagem é descontínua – o homem<br />

real é contínuo, sua vida não pára, nem mesmo quando<br />

dorme, posto que sonha –, mas deve ser mostrada como<br />

se fora contínua. Isto significa que a personagem evolui<br />

durante a narrativa – e esta é uma observação importan-

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