DRAMÁTICA NARRATIVA - Leia Brasil
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P R O P O S T A D E L E I T U R A D E M U N D O A T R A V É S D A N A R R A T I V A D R A M Á T I C A<br />
Pluft, Pluft, o o F FFantasminha<br />
F antasminha<br />
antasminha, antasminha 1964. Cedoc / Funarte.<br />
E como pode ser bonita! Mas muitos atores tratam de<br />
abordar frases assim com um vago tom poético.<br />
Uma discípula direta de Stanislavski, Maria Knébel,<br />
dá um exemplo perfeito. Uma mãe perde seu filho numa<br />
grande loja e sai à rua, aflita, procurando por ele. Pergunta<br />
a você, que vai passando: “Não viu por aqui um<br />
menino de gorro cinza? Enquanto eu estava na loja ele<br />
sumiu e eu não sei pra onde foi...” Imagine, diz Maria<br />
Knébel, que uma atriz diga isso com uma voz afetada,<br />
mostrando que sofre com a perda do filho, dando uma<br />
“entonação” teatral ao que diz. Você vai achar que é uma<br />
doente, ou que está rindo de você. A mãe verdadeira<br />
não está querendo “exibir” seu sentimento, nem querendo<br />
“mostrar” que é capaz de dizer essas palavras de<br />
um modo “bonito”. Ela apenas está desenvolvendo uma<br />
ação, procurando seu filho perdido: sua emoção, suas<br />
palavras, tudo aparece como conseqüência.<br />
Um exemplo mais: poucas frases de um texto teatral<br />
serão mais conhecidas do que o “ser ou não ser, eis a questão”,<br />
que diz Hamlet, questionando-se sobre as vantagens<br />
da morte e da vida. Elas estão tão carregadas de um peso<br />
cultural que é raro o ator que não as declame, de alguma<br />
maneira. No entanto, o ator deve dizê-las como se não as<br />
conhecesse de antes, como quando falamos e sabemos do<br />
que queremos falar, mas não sabemos exatamente como<br />
vamos falar. O ator, enfim, deve preocupar-se com a ação<br />
que precisa executar e esta dúvida, melhor morrer ou vi-<br />
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ver, é seu último obstáculo. E pergunta: ser ou não ser? E<br />
diz: a questão é esta, eis a questão.<br />
Acho que essas indicações, a busca da verdade, a<br />
noção de jogo, a ilusão sendo compartilhada entre ator e<br />
espectador, a determinação de não representar palavras,<br />
nem emoções, mas ações e, finalmente, a consciência do<br />
que diz, das razões do seu personagem adquiridas nos<br />
ensaios de compreensão e enriquecidas permanentemente<br />
com novas compreensões enquanto durem os ensaios e<br />
mesmo enquanto dure a temporada da peça, podem servir<br />
como um pequeno norte para a preparação do ator.<br />
Enfim... Não sei se lendo estas indicações, este roteiro,<br />
se caminhando por esta estrada tão mais cheia de<br />
desvios do que eu imaginava quando comecei a escrever,<br />
alguém vai conseguir transformar uma peça de teatro<br />
em um espetáculo. Me tranqüiliza saber que eu nunca<br />
vou saber fazer um bolo, mesmo lendo a melhor das<br />
receitas. E descubro que as receitas são escritas para os<br />
cozinheiros, não importa se profissionais ou enrustidos.<br />
Tudo vai depender de você, meu prezado colega diretor<br />
de teatro... mesmo que você ainda não saiba que é um.<br />
ADERBAL FREIRE-FILHO Ator e diretor teatral. Sua primeira atuação<br />
como diretor foi em 1972 com a peça O O cordão cordão umbilical umbilical, umbilical umbilical de Mário<br />
Prata. Com Mão Mão na na lua lua ganhou dois Prêmios Mambembes e o Golfinho<br />
de Ouro de Melhor Diretor. Também é professor na Casa das<br />
Artes de Laranjeiras, na Escola de Teatro Martins Pena e na Faculdade<br />
de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.