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DRAMÁTICA NARRATIVA - Leia Brasil

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PROPOSTA DE LEITURA DE MUNDO ATRAVÉS DA <strong>NARRATIVA</strong> <strong>DRAMÁTICA</strong><br />

DRAMATURGIA<br />

Assim como ocorre com as pessoas<br />

reais, há três aspectos fundamentais<br />

na personagem. A primeira é a sua<br />

relação com o trabalho, ou seja, a relação<br />

objetiva do homem com o<br />

mundo, uma atividade que exige o<br />

uso da razão. Pela sua natureza humana,<br />

o homem é um ser que trabalha<br />

– e não me refiro apenas a ter um<br />

emprego. Um índio, por exemplo,<br />

não tem emprego, mas trabalha: caça,<br />

pesca, colhe frutas, constrói a oca, a<br />

ponte, a rede etc. O trabalho é a relação<br />

objetiva do homem com o mundo.<br />

Com o seu trabalho, o homem<br />

muda algo do mundo que o cerca, transforma a árvore<br />

em mesa, a chapa de aço em navio etc.<br />

A outra relação fundamental da personagem é com<br />

o afeto, ou seja, é a relação subjetiva do homem com os<br />

que o cercam. É uma relação misteriosa porque não passa<br />

pela razão, é uma construção da subjetividade humana:<br />

o homem ama, mas não sabe explicar porque ama;<br />

assim como odeia, tem compaixão, tem ímpetos assassinos<br />

etc. Numa dramaturgia fecunda, as personagens têm<br />

relações com o trabalho e o afeto, sejam elas explícitas<br />

ou ocultas, podendo ser deduzidas. Personagens que estão<br />

bem resolvidos no trabalho e no afeto – amam o seu<br />

trabalho, e amam o (a) parceiro (a), conquistaram o que<br />

há de essencial na vida; são as pessoas que chamamos de<br />

felizes. Personagens felizes, que nós todos gostaríamos<br />

de ser na vida real, não são muito úteis à dramaturgia<br />

pelo fato de já terem conquistado, digamos, tudo, ou<br />

quase tudo, do que é essencial à vida, e, por isso, sofrerem<br />

menos inquietações e menos insatisfações, além de<br />

terem vontades menos intensas. Parafraseando o poeta<br />

que disse, “O que mais sinto em mim é o que me falta”,<br />

pode-se dizer que a ação dramática é impulsionada pelas<br />

lacunas das personagens que, ao sentirem o forte desejo<br />

de supri-las, são levados à ação. Personagens fecundos,<br />

com vocação para protagonistas, são os que padecem de<br />

grandes infelicidades, grandes insatisfações, que vivem<br />

paixões arrebatadoras sem serem correspondidos, que têm<br />

desejos avassaladores difíceis de serem satisfeitos, que têm<br />

sonhos difíceis de serem realizados, insurgem-se contra<br />

a injustiça, perseguem grandes utopias. O homem que<br />

deseja ardentemente ficar rico; a mulher que sonha ter<br />

Será mais fecunda a<br />

dramaturgia que, tendo<br />

um protagonista<br />

arrebatado e inteligente,<br />

tenha um antagonista<br />

igualmente apaixonado<br />

e astucioso – e eles<br />

não existem para se<br />

degladiarem, mas para<br />

tentarem realizar seus<br />

desejos e serem felizes...<br />

20<br />

um bebê e não consegue; o rapaz apaixonado<br />

pela moça que não corresponde<br />

ao seu amor, o detetive que decide<br />

desvendar o crime; a cientista que trabalha<br />

dia e noite para encontrar a cura<br />

de uma doença etc.<br />

A terceira característica da personagem,<br />

no que repete o homem real,<br />

é que somos seres contraditórios: queremos<br />

e, ao mesmo tempo, não queremos;<br />

amamos e, ao mesmo tempo,<br />

não amamos; temos coragem e, ao<br />

mesmo tempo, temos medo; etc. Isso<br />

é da natureza humana. Personagens<br />

sem contradições são os heróis, que,<br />

em geral, divertem as crianças em desenhos animados e<br />

histórias em quadrinhos. Como, porém, jamais têm contradições,<br />

jamais têm medo, jamais hesitam e jamais perdem<br />

suas batalhas, tornam-se lineares, previsíveis e inumanos,<br />

embora por serem fantasiosos, possam ser eventualmente<br />

úteis numa pedagogia de valorização da autoestima.<br />

Personagens com contradições são mais parecidos<br />

com os homens reais e, por isso, mais humanos.<br />

A construção clássica da narrativa dramática apóiase<br />

em uma personagem protagonista, que deseja avassa-<br />

ladoramente alguma coisa – saber qual é a sua verdadeira<br />

identidade (Édipo Édipo R RRei<br />

R ei ei, ei de Sófocles), ou identificar<br />

quem assassinou seu pai (Hamlet Hamlet Hamlet, Hamlet de Shakespeare), ou<br />

convencer autoridades religiosas de que a terra gira em<br />

torno do sol (Galileu Galileu Galilei Galilei, Galilei de Bertolt Brecht). Se o<br />

protagonista deseja alguma coisa, quem, ou aquilo que<br />

o impede de realizar o seu desejo é o antagonista que, às<br />

vezes, pode ser vários. Se o protagonista, digamos, deseja<br />

apaixonadamente uma mulher que, por sua vez, se<br />

sente atraída por outro homem que, sabendo ou não,<br />

dificulta ou impede a realização do desejo do protagonista,<br />

é o seu antagonista. Será mais fecunda a dramaturgia<br />

que, tendo um protagonista arrebatado e inteligente,<br />

tenha um antagonista igualmente apaixonado e astucioso<br />

– e eles não existem para se degladiarem, mas para<br />

tentarem realizar seus desejos e serem felizes: a vida, injusta<br />

e cruel, é que os colocou em campos opostos. Se os<br />

contendores têm força, astúcia e inteligência que se equivalem,<br />

a disputa entre eles será encarniçada e terá vitórias<br />

parciais, ora de um, ora de outro, e o desfecho poderá<br />

ser favorável tanto a um quanto ao outro – para o espec-

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