DRAMÁTICA NARRATIVA - Leia Brasil
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P R O P O S T A D E L E I T U R A D E M U N D O A T R A V É S D A N A R R A T I V A D R A M Á T I C A<br />
te. De uma cena para outra, a personagem sofre mudanças<br />
– os acontecimentos da peça mudam o seu estado<br />
emocional e lhe dão mais informações sobre a trama –<br />
ou seja, sobre o seu mundo; e, em função do que vai<br />
aprendendo e sentindo, ela vai mudando, de modo que,<br />
do início ao fim da peça, todas as personagens devem<br />
mudar. Os fatos da peça devem ser tais que levem a mudanças<br />
– de consciência sobre a sua situação, sobre o<br />
mundo e sobre os homens – de atitudes, ou de percepção<br />
da vida – um foi desmascarado, outra teve o seu amor<br />
reconhecido, um foi preso, outro morreu,<br />
uma arranjou o emprego que sonhava,<br />
outra foi demitida no trabalho, uma<br />
converteu-se ao espiritismo, outro se reconciliou<br />
com o pai etc. etc. A rigor, as<br />
mudanças vão acontecendo degrau a degrau,<br />
ao longo da peça; cada fato muda<br />
alguma coisa, ou melhor, em cada cena<br />
a personagem acrescenta alguma coisa a<br />
si e/ou à sua percepção da trama e do<br />
mundo, em relação à cena anterior – o<br />
que significa que a personagem evolui<br />
mesmo estando fora de cena. De modo<br />
geral, pode-se dizer que cada fato muda<br />
alguém, ou muda alguma coisa em todas<br />
as personagens etc. É frustrante para<br />
o espectador a narrativa dramática em que as personagens<br />
terminam do mesmo jeito que começaram. Não mudaram,<br />
não evoluíram, não foram premiadas, não foram<br />
punidas. Tal situação nega até mesmo o que acontece na<br />
vida real, na qual um acontecimento que interessa e envolve,<br />
de forma direta e indireta, várias pessoas, quando<br />
do seu desfecho sempre uns são premiados e outros prejudicados,<br />
em diversas proporções – pode ser que, em<br />
casos excepcionais, haja os que não sofram quaisquer<br />
conseqüências, o que não é o mais fecundo para a dramaturgia.<br />
A frustração de assistir uma peça em que as<br />
personagens não se transformam durante sua apresentação<br />
advém de tal desfecho não acrescentar ao espectador<br />
nenhum crescimento humano, nenhum valor.<br />
Mas há um valor da personagem, que está acima de<br />
qualquer outro: a personagem de ficção – e não apenas de<br />
teatro – precisa ter vida própria, não pode ser um boneco<br />
que meramente vocalize as idéias do autor, nem pode se<br />
comportar como se estivesse sob uma camisa-de-força que<br />
delimite suas atitudes, seus sentimentos, seus pensamen-<br />
William Shakespeare<br />
19<br />
tos, suas idéias, suas palavras. Numa das tentativas de definição,<br />
o próprio teatro é entendido como a relação que<br />
os atores – portanto, ao vivo, na cena – conseguem estabelecer<br />
entre as personagens que interpretam. A essência<br />
do teatro estaria na relação – de ódio, amor, compreensão,<br />
carinho etc. – na interação, na maneira como as personagens<br />
reagem uma à outra, na concretude da situação<br />
recriada no palco – o que reforça a idéia de que o fato<br />
teatral só ocorre na sua realização cênica. Grandes personagens<br />
têm vida tão própria e espontânea, que ultrapassam,<br />
transcendem a própria trama na<br />
qual originalmente sugiram, ganhando<br />
vida autônoma e pública – como é o<br />
caso, entre outros, de Édipo, de Hamlet<br />
e de Galileu no teatro; de Dom Quixote,<br />
Sancho Pança, Dimitri Karamazov e<br />
Madame Bovary, na literatura.<br />
Montagem romantizada de Romeu Romeu e e JJ<br />
Julieta JJ<br />
ulieta de<br />
Shakespeare, em Berlim, 1886. Divulgação.