DRAMÁTICA NARRATIVA - Leia Brasil
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PROPOSTA DE LEITURA DE MUNDO ATRAVÉS DA <strong>NARRATIVA</strong> <strong>DRAMÁTICA</strong><br />
DIREÇÃO<br />
dizia a seu assistente: “hoje o espetáculo foi mais curto,<br />
mas mais intenso, eu sentia que ia talvez muito rápido,<br />
tanto que enquanto girava eu me dizia turn again, Namura<br />
(o nome é inventado), turn again, turn again. O<br />
transportado, o “inconsciente”, o emocionado estava<br />
completamente consciente e se pedia para girar outra vez,<br />
outra vez, outra vez.<br />
Há um equilíbrio entre o envolvimento do ator e sua<br />
consciência. Costumo dizer que o ator é uma mistura de<br />
emoção e noção de exposição. Se ele está inteiramente<br />
emocionado, sem noção de exposição, não nos deixamos<br />
seduzir por ele. E se a ele falta emoção, tampouco.<br />
Enfim, a busca da verdade é o capítulo primeiro da<br />
boa interpretação.<br />
Esta verdade, no teatro realista, esteve comprometida<br />
com uma atitude que se enquadrava na noção de<br />
“quarta parede”. O ator estava cercado por três paredes<br />
menos uma, a “quarta parede”, que foi “retirada” para<br />
que o público pudesse ver o que se passava em cena. A<br />
“quarta parede” estava substituída por uma cortina que,<br />
quando abria, deixava ver o que acontecia. Os espectadores,<br />
no teatro realista, da “quarta parede”, eram voyeurs,<br />
que viam sem ser vistos, como se não existissem.<br />
No entanto, se existe um único fato que resuma o teatro<br />
contemporâneo, esse fato é a queda da “quarta parede”.<br />
Muitas podem ter sido as causas dessa mudança, que,<br />
no fim das contas pode ser atribuída apenas a uma superação<br />
do teatro realista como padrão. Se alguns conservadores<br />
consideram esse acontecimento uma modernidade,<br />
não custa lembrar que não tinham uma “quarta<br />
parede” o teatro grego, o teatro elisabetano, da época de<br />
Shakespeare, a Comédia dell’Arte etc. E também é justo<br />
considerar o advento do cinema (especialmente do cinema<br />
falado) como uma das causas da superação do realismo<br />
em teatro, da queda da “quarta parede”. Como o<br />
cinema substitui o teatro com vantagem na reprodução<br />
de um cenário real, o teatro desobriga-se do realismo e<br />
pode dedicar-se a outros vôos, onde é muito mais eficaz.<br />
O que poderia ter sido uma condenação do teatro acabou<br />
sendo sua libertação.<br />
Agora o ator é todo-poderoso, pode representar vários<br />
papéis na mesma peça, pode entrar e sair do personagem<br />
para atender a outras necessidades da cena, como<br />
tocar um instrumento (sem ser o personagem tocando),<br />
arrumar a cena, pode ser cúmplice do espectador, pode<br />
reconhecê-lo, comunicar-se com ele e, nesse quadro de<br />
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possibilidades, ser incomparavelmente mais potente.<br />
Mesmo para simplesmente contar uma história, o ator<br />
de teatro é agora o ator e o personagem, o boneco e o<br />
bonequeiro, o que vive e o que conta. Uma forma de<br />
dizer isso, comparando o trabalho do ator no cinema e<br />
no teatro: no cinema, o ator vive e a câmera mostra; no<br />
teatro, o ator vive e mostra.<br />
Portanto, a verdade do ator de teatro não implica<br />
mais a mentira de não reconhecer o público, e não se<br />
pode dizer que é mais fácil ou mais difícil, só que é diferente.<br />
O ator de teatro joga com o público, pode levar o<br />
espectador à ilusão e quebrar em seguida essa ilusão. O<br />
que é um trunfo seu é que conta com a cumplicidade do<br />
espectador nesse jogo.<br />
Dou outras indicações básicas, além da busca da verdade<br />
e que, inclusive, podem ajudar muito a encontrá-la.<br />
Primeira: os atores não devem representar as palavras.<br />
Segunda: os atores não devem representar as emoções.<br />
Terceira: os atores devem representar as ações.<br />
Se eles executam bem as ações do seu personagem,<br />
os atores já terão andado meio caminho na direção de<br />
uma boa interpretação. Se eles buscam representar os<br />
sentimentos, serão falsos. Vejam as telenovelas: os atores<br />
em geral representam os sentimentos e é como se nos<br />
dissessem estou triste, estou alegre, estou com medo, estou<br />
com ciúme. Eu quase nunca acredito.<br />
Dou um exemplo. O personagem atravessa uma rua<br />
à noite, com medo de ser assaltado. Se ele diz “estou<br />
com medo, vou mostrar o medo”, não convencerá. Mas<br />
se ele trata de andar com cuidado, olhar para onde deve<br />
olhar para ver se alguém o segue, fingir coragem quando<br />
cruza com um desconhecido, o medo vai aparecer.<br />
Procure as ações, ajude os atores a descobrir as ações<br />
dos seus personagens e estará ajudando o trabalho deles.<br />
Outra coisa importante é despoetizar, não fazer literatura.<br />
Fazer literatura é um crime contra... a literatura. E<br />
o que estou chamando de “fazer literatura”? Falar como<br />
se dissesse “ouçam como essa frase é bonita”. Se o ator diz<br />
alguma frase como se dissesse olhem como é bonito, fica<br />
horrível. O texto deve ser dito objetivamente (o ator não<br />
representa as palavras, representa as ações). Costuma-se<br />
dar um vago tom poético a frases do tipo, “daqui a cem<br />
anos, quando alguém perguntar o que fizeram os que vieram<br />
antes de nós...” e eu não consigo ouvir, não entendo<br />
a frase. É uma frase objetiva, clara simples: “daqui a 200<br />
anos...” Se dita com objetividade me atinge inteiramente.