Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras - Uem
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As fábulas <strong>em</strong> português que conheço, <strong>em</strong> geral traduções <strong>de</strong> La<br />
Fontaine, são pequenas moitas <strong>de</strong> amora no mato – espinhentas e<br />
impenetráveis. Que é que nossas crianças po<strong>de</strong>m ler? Não vejo<br />
nada. Fábulas assim seriam um começo da literatura que nos falta.<br />
Como tenho um certo jeito para impingir gato por lebre, isto é<br />
habilida<strong>de</strong> por talento, ando com idéia <strong>de</strong> iniciar a coisa. É <strong>de</strong> tal<br />
pobreza e tão besta a nossa literatura infantil, que nada acho para a<br />
iniciação <strong>de</strong> meus filhos (LOBATO, 1968 b, 2 v, p. 104).<br />
A partir <strong>de</strong> tal concepção, Lobato inicia a reformulação <strong>de</strong> fábulas,<br />
recolhidas da cultura erudita e popular, que resultaria na sua obra Fábulas, livro no<br />
qual o autor reúne setenta e quatro fábulas, traduzidas e adaptadas e outras escritas<br />
por ele próprio. Embora o texto lobatiano retome os textos originais <strong>em</strong> matéria <strong>de</strong><br />
conteúdo, há um diferencial merecedor <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque e que promove seu viés<br />
mo<strong>de</strong>rno. As fábulas, reescritas <strong>em</strong> prosa, nasceram <strong>de</strong> fontes construídas<br />
inicialmente <strong>em</strong> versos. Outra mudança significativa é a alteração do narrador que<br />
<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser onisciente para dar lugar a um narrador que participa da narrativa, no<br />
caso <strong>em</strong> questão, a narração é atribuída a Dona Benta, seguida do comentário dos<br />
ouvintes. Narizinho, Pedrinho, Emília, Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sabugosa e tia Nastácia<br />
discut<strong>em</strong> os textos a partir das concepções <strong>de</strong> sua época, ora concordando e ora<br />
questionando o conteúdo e a própria i<strong>de</strong>ologia diss<strong>em</strong>inada pelas narrativas.<br />
A adaptação das fábulas lobatianas permite a reflexão acerca do<br />
próprio ato <strong>de</strong> reescrever, uma vez que, ao modificar os gêneros, <strong>de</strong> verso para a<br />
prosa, o autor a<strong>de</strong>quou a linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong> forma a torná-la acessível ao leitor. Além<br />
disso, Monteiro Lobato também direcionou as discussões <strong>de</strong> forma a abranger o<br />
universo infantil, encurtando as distâncias entre obra e leitor.<br />
A modificação <strong>de</strong> gênero, <strong>de</strong> verso para prosa, po<strong>de</strong> ser<br />
acompanhada no seguinte trecho:<br />
Saiu da toca aturdido<br />
Daninho pequeno rato,<br />
E foi cair insensato<br />
Entre as garras <strong>de</strong> um leão (LA FONTAINE, 2006, p. 65).<br />
Ao sair do buraco viu-se um ratinho entre as patas do leão. Estacou,<br />
<strong>de</strong> pêlos <strong>em</strong> pé, paralisado pelo terror (LOBATO, 1973 b, p.49).<br />
Amorim <strong>de</strong>staca, <strong>em</strong> seu estudo, uma espécie <strong>de</strong> transposição<br />
interlingual, ou seja, transposição “<strong>de</strong> um texto escrito <strong>em</strong> uma língua para outra,<br />
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