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2. Desigualdade social, cultura escolar e movimentos sociais<br />
Porque eu vou dizer uma coisa pro senhor: pra quem é como esse povo de roça o estudo<br />
de escola é de pouca valia, porque o estudo é pouco e não serve pra fazer da gente um<br />
melhor. Serve só pra gente seguir sendo como era, com um pouquinho de leitura. (SOUSA<br />
[CIÇO] apud BRANDÃO, 1984, p. 7 et seq.)<br />
A escola é uma instituição social que carrega as promessas da Modernidade relativas ao progresso<br />
e ao desenvolvimento individual e social de seus cidadãos. Mas as expectativas relativas à ideia de<br />
que o processo de escolarização reverteria na melhora da qualidade de vida e na formação de uma<br />
sociedade mais igualitária apresentaram muitos contrapontos ligados ao insucesso, ao abandono de<br />
seus estudantes e à precarização da escola. Mas o que isso significa? Por que essa escola está sendo<br />
questionada e muitas vezes desacreditada nos dias de hoje? Que processos históricos estão por trás<br />
dessa dinâmica?<br />
A escola como ferramenta de reprodução das desigualdades<br />
O modelo de escola e de cultura escolar 1 que ainda hoje é hegemônico em nossa sociedade<br />
surge com o nascimento do Estado-Nação e com a necessidade de se ter uma única cultura circunscrita<br />
a um único território. Para conquistar tal façanha, dois instrumentos foram fundamentais: o exército e<br />
a escola.<br />
O exército cumpriu a função de dominar e, inclusive, dizimar grupos que não aceitavam se<br />
submeter a um poder único. Para construir uma unidade interna, foi necessário delimitar fronteiras<br />
e excluir “estrangeiros”, o que justificou a necessidade de um exército nacional para proteger o novo<br />
Estado-Nação. Internamente, também surgiu a necessidade de uma unidade nacional e, para isso, foi<br />
necessário que os indivíduos abandonassem seus traços culturais peculiares para se transformarem em<br />
cidadãos de um único Estado. A constituição do Estado-Nação exigiu, dessa forma, a homogeneização<br />
de uma sociedade até então bastante heterogênea, sobretudo em sua dimensão cultural. Para isso, a<br />
escola cumpriu um papel fundamental, criando uma cultura comum que deveria ser compartilhada<br />
por todos os cidadãos, já que havia a exigência de se ter, no território, uma única língua 2 , uma única<br />
identidade. Assim, o Estado-Nação consolida-se ao submeter todos os seus membros a um mesmo<br />
sistema educativo (VILLORO, 1998).<br />
Mas, que sistema educativo era esse? Quais suas bases? Qual sua força? Como bem destaca<br />
Fernández Enguita (2001), o caminho escolhido pela escola foi o da imposição da cultura escolar –<br />
que nada mais é que a cultura dos grupos dominantes – sobre toda cultura popular, étnica, grupal.<br />
Desse modo, a cultura do grupo dominante passa a ser transformada, através da escola, na cultura de<br />
Módulo III - Escola: espaços e tempos de reprodução e resistências da pobreza 15