Jornal das Oficinas 200
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A<br />
situação está a tornar-se insustentável<br />
para dezenas de empresas nacionais que<br />
se dedicam à instalação, reparação e verificação<br />
de aparelhos metrológicos – tacógrafos e<br />
taxímetros – que se veem, há quase dois anos, a<br />
braços com novas regras para poderem continuar<br />
a exercer a sua atividade.<br />
Tudo começou em setembro de 2020, quando o<br />
IPQ informou, por carta, estas empresas de que<br />
deveriam qualificar-se como Organismo de Verificação<br />
Metrológica (OVM), para poderem continuar<br />
no ramo. Em causa estava um processo não<br />
só complexo, como também dispendioso e algo<br />
indefinido que, desde logo, foi contestado pela<br />
ARAN, que não só questionou a sua conformidade<br />
com a legislação europeia, como também enviou<br />
um comunicado ao Governo a reclamar a revogação<br />
imediata desta deliberação do IPQ. Mas, desde<br />
então, pouco mudou.<br />
A rede nacional de cerca de <strong>200</strong> empresas capacita<strong>das</strong><br />
para prestar estes serviços acabou por ser<br />
inibida de exercer sem saber exatamente os procedimentos<br />
a adotar, os requisitos a cumprir e até<br />
mesmo sem um período transitório para poder assegurar<br />
a adequada adaptação.<br />
Eduardo Leal, gerente da Electro Picotense, conta<br />
que depois de gastar mais de seis mil euros para<br />
se candidatar a OVM, está atualmente desqualificado,<br />
sem poder selar tacógrafos e sem qualquer<br />
solução à vista. Ao <strong>Jornal</strong> <strong>das</strong> <strong>Oficinas</strong>, o empresário<br />
explicou que o IPQ se tem mostrado inacessível,<br />
sem dar resposta aos pedidos de reunião<br />
<strong>das</strong> empresas, ou sequer aos pedidos de esclarecimento<br />
do Tribunal, na sequência da providência<br />
cautelar que foi apresentada por cerca de uma<br />
centena de empresas, tudo “porque as pessoas do<br />
IPQ não estão à vontade para o fazer”, diz. O gestor<br />
critica a falta de transparência do organismo<br />
público no processo, afirmando que, “entretanto,<br />
já mudaram algumas regras, porque o despacho<br />
estava cheio de irregularidades e inconformidades.<br />
E continua a tê-las! Como é que eu me candidato<br />
a OVM sem saber a que sou obrigado? O<br />
IPQ não torna isso público!”. A Electro Picotense<br />
“foi desqualificada em dezembro, qualificada em<br />
fevereiro e de novo desqualificada em março. Estou<br />
desde 1 de abril sem selar um tacógrafo. Eu<br />
e dezenas de colegas!”, exclama, sem esconder a<br />
revolta pela situação que pode ter graves consequências<br />
para o setor.<br />
Acontece que, à luz <strong>das</strong> novas regras, mesmo que<br />
as empresas cumpram todos os requisitos para ser<br />
um Organismo de Verificação Metrológica, apenas<br />
obterão a qualificação as entidades necessárias e<br />
que se justifiquem para a cobertura nacional deste<br />
controlo. Além disso, o IPQ pretende que “quem<br />
instala e repara [Reparador/Instalador] não realize,<br />
em simultâneo, a sua verificação [OVM]”. Em<br />
termos práticos, perante uma avaria num tacógrafo,<br />
o transportador tem de deslocar o veículo até<br />
ao Reparador/Instalador mais próximo, seguindo<br />
depois para um OVM, até poder ter de novo o veículo<br />
pronto a circular, com todos os custos extra<br />
que isso acarreta, entre consumos, imobilização da<br />
viatura e tempo de trabalho dos motoristas. “Há<br />
camiões que estão dez dias à espera para selar um<br />
tacógrafo, assim como os táxis. Segundo as novas<br />
regras, quem sela tacógrafos não os pode vender.<br />
No entanto, é do conhecimento geral que as OVM<br />
já estão a montar tacógrafos através de outros nomes<br />
que criaram”, expõe Eduardo Leal, ao mesmo<br />
tempo que sublinha que “o IPQ está a provocar ilegalidades<br />
e concorrência desleal. O cliente perdia<br />
duas horas na nossa oficina para fazer um serviço e<br />
hoje, se tiver o tacógrafo avariado, tem de reparar<br />
num lado e selar noutro. Eu posso vender e instalar<br />
o tacógrafo, mas ele depois tem que ir a uma<br />
OVM ou a um Reparador/Instalador Autorizado,<br />
para o selar. Isto pode demorar 10 dias, depois de<br />
já ter o problema do tacógrafo resolvido. É matar<br />
as empresas! Quanto é que isto não custa às empresas<br />
de transporte?”, questiona.<br />
A Associação Comercial e Industrial de Mirandela<br />
(ACIM) é uma <strong>das</strong> várias associações do país que<br />
subscreveu um abaixo-assinado a pedir a suspensão<br />
imediata do referido despacho. A ACIM denuncia<br />
que esta medida do IPQ leva a que o distrito<br />
de Bragança esteja sem qualquer entidade para<br />
aferir ou reparar um tacógrafo ou um taxímetro,<br />
podendo acontecer que um camionista de Miranda<br />
do Douro tenha de fazer 700 quilómetros para<br />
realizar uma simples verificação do tacógrafo.<br />
A ARAN, por outro lado, aponta que a impossibilidade<br />
de as empresas continuarem a verificar os<br />
instrumentos de medição terá, por consequência<br />
direta e necessária a redução dos respetivos volumes<br />
de negócios, a perda de investimentos (muitos<br />
deles recentes), a dispensa de trabalhadores e até<br />
poderá ditar eventuais encerramentos.<br />
Para Eduardo Leal, a maior dificuldade que o setor<br />
enfrenta na atualidade são precisamente os institutos<br />
públicos que, lamenta, “eram os que deviam<br />
estar ao nosso lado e são quem nos cria mais problemas<br />
e prejuízo. Entre taxas e impostos, 20% de<br />
cada serviço que fazemos num tacógrafo vai diretamente<br />
para o IPQ, que deveria apoiar-nos e ser<br />
nosso parceiro, mas é quem nos tem criado mais<br />
dificuldades e problemas”.<br />
De acordo com a sociedade de avogados CMB<br />
– Carlos M Barroso, especialista em Direito dos<br />
Transportes, que representa várias empresas de<br />
transporte, a falta de capacidade de resposta do<br />
novo sistema e os constrangimentos que o mesmo<br />
está a criar, determinará a paralisação de viaturas<br />
com enormes e graves consequências para os<br />
transportadores e para a sociedade em geral, podendo<br />
mesmo “passar a viver uma grave crise na<br />
distribuição e na circulação de pessoas e bens”.<br />
Face ao problema que parece estar a tornar-se<br />
numa grande bola de neve, as empresas garantem<br />
que, caso o Governo não altere a posição do IPQ,<br />
que entendem como “solução falhada e prejudicial<br />
ao interesse público”, farão uma grande manifestação<br />
nas entra<strong>das</strong> e no centro de Lisboa, que envolverá<br />
veículos pesados e ligeiros. l<br />
HÁ CAMIÕES QUE ESTÃO DEZ DIAS À ESPERA PARA SELAR UM TACÓGRAFO.<br />
SEGUNDO AS NOVAS REGRAS, QUEM SELA TACÓGRAFOS NÃO OS PODE<br />
VENDER. NO ENTANTO, É DO CONHECIMENTO GERAL QUE AS OVM JÁ ESTÃO<br />
A MONTAR TACÓGRAFOS ATRAVÉS DE OUTROS NOMES QUE CRIARAM<br />
www.jornal<strong>das</strong>oficinas.com Setembro I 22 65