CAPÍTULO XIO jornalista era um profeta. Os antigos videntes fê-los a santidade; acorrupção faz os profetas contemporâneos. No homem gasto, vão-se asilusões, e fica a experiência. Ora a experiência é o sexto sentido, a intuiçãoluminosa do futuro, a presciência das induções infalíveis de um princípioimoral. E a única superioridade dos corrompidos sobre os puros.O leitor recorda-se daquelas íntimas confidências de Guilherme ao seucomensal, num almoço na Águia de Oiro.O poeta ia adiante dos projetos do provinciano, delineando a arquiteturaromanesca da casa em que a sedutora costureira contaria por palpitações docoração os minutos da encantada existência do seu efémero amante.Para averiguarmos a importância profética do jornalista, procuremos Augusta.Na Rua dos Arménios, não. A tia Ana do Moiro, conversando com oFrancisco fabricante, diz que Augusta fechara a porta, levara a chave. No diaimediato àquele em que lhe pedira e restituíra três moedas. O fabricantechorava como uma criança ao pé da filha do barqueiro, que não tinha jeitonem vontade de consolá-lo. Para ambos era claro que Augusta se entregara àdescrição de Guilherme; todavia nenhum sabia onde ela estava. O artista,instigado pelo ciúme e pela cólera, fôra à Águia de Oiro informar-se dohóspede; mas os criados disseram-lhe, o mais laconicamente que puderam,que o Sr. Amaral saíra da hospedaria.Eu tenho obrigação de contar o que o fabricante não sabia, nem a Sra. Ana doMoiro, nem os serventes da hospedaria.Sabem onde é o Candal? É essa pitoresca colina que se levanta por detrás dasruínas de um castelo, donde Gaia, a formosa moira, espreitava a frota dogodo, seu querido roubador, segundo a mitologia deste maravilhoso torrão doOcidente. Como estendal de fadas, de longe braqueiam as risonhas casas,olhando soberbas para o Porto, com o garbo de camponesas, frescas etoucadas de flores, sem inveja aos peristilos de pórfido, aos mosaicos dasalterosas paredes, às opulentas gradarias de bronze. De cada quebrada domonte sobranceiro rebentam jorros de água argentina, que se desenrolamsobre a imensa alcatifa de esmeralda, que vem do sopé dos edifícios, tão
límpida, a sujar-se nos becos imundos de Vila Nova, taverna que dá vinhopara todo o mundo, asquerosa como nenhuma outra taverna do mundo.Fujamos daqui para o alto. Lá, sim. De cada copa de madressilva julgais ver,rociada de orvalho, surgir urna dríade, encostada à urna das águas, querumorejam entre os silvados. O poeta sobe de lá nos êxtases do idílio a todosos céus da imaginação rejuvenescida. Os cânticos de Sintra, cantados cá,parecem seus. Os amores famosos de dois poetas, que além choraram,Bernardim e Camões, concebem-se aqui, explicam-se, entram no espíritocomo um quinhão de dor suave, e da saudade lúcida dos amores de outrotempo. Não sabeis o que é o Candal, se o não vedes assim.Por lá passara um dia Guilherme, quando o Sol se atufava no mar, deixandosobre o oceano larga esteira de prata, em cintilantes escamas. Era essa, pois, ahora da saudade, a do meditar anelante, a hora da poesia, que desce do céu aocoração de todo o homem.Amaral, sem testemunhas, com os seus instintos, não falsificados à feição dacelebridade, que se procurava, era poeta, era sonhador, despia a face damáscara abrasadora, sorvia o ar puro da natureza, sentia-se convalescer dadolorosa enfermidade do tédio, e ansiava outro mundo melhor que o seu.Foi no Candal que ele sentiu mais lúcida a intermitente da poesia. Parara,contemplando o ocaso do Sol, que durante dois anos não saudara, desde queesquecera essa hora, tão misteriosa na sua aldeia. A emoção, que primeiro lheacordara a sensibilidade entorpecida, foram saudades da sua mãe, imagemsanta, que vinha pedir-lhe uma lágrima tardia. Depois, uma a urna, as saudadesda sua vida infantil; o prado mais querido, a árvore de mais doce sombra, oregato de mais plácido murmúrio, a flor valida, a montanha das tradiçõesmedonhas, o velho rafeiro que lhe lambia as mãos, o escabelo de pedra noátrio da velha capela onde lera o Renê, o seu mais predileto livro dos quinzeanos. Depois, desce à vida do homem prematuro. Encontra uma tediosauniformidade de cenas: amor sem paixão; impostura de insensato, que sequisera destacar do vulgo, dando-se a importância de herói de um medíocreromance. Teve vergonha de si: viu-se miserável, ignóbil, e mais trivial quetodos os fátuos do seu conhecimento.Deste lodaçal levantou-se agarrado às asas do querubim da esperança. Alteouseaté Deus, deixando em baixo o ateísmo que abraçara sem convicções deateu; que abraçara, porque era incompatível a virtude com a sua mentirosapersonificação. De lá, observou a terra a olho nu, e viu que a felicidade não
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— Sou absolutamente original: nã
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de insultos contra as mulheres. Em
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— Aquela trapalhona faz-me subir
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— Não é preciso; eu não sou t
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Não te irrites, Francisco... Eu n
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ociosos. Ao que ela chamava beijos
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— É porque não quero que adorme
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das ovelhas tresmalhadas do rebanho
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Não sabemos de boa fonte os sonhos
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— Sim...— Mas eu quero vê-la n
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— E esse homem é barão?!— Com
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