— Sou absolutamente original: não estudo ninguém.— Amou?— Nunca: penso que já respondi a essa pergunta.— Não tinha ainda respondido. Eu, na sua posição, recolhia-me à tebaidada minha aldeia. A vida de Lisboa deve provocar a sua intolerante indignação.— Não vejo essa vida provocante. Até hoje, a vista do meu espírito nãodesceu. A águia, por enquanto, libra-se entre as nuvens. Quando descer,deixarei um rasto de sangue...O interlocutor de Guilherme do Amaral sorriu-se. No dia seguinte,reproduzia-se nos cafés, nas praças, e nas salas o diálogo, recebido comgargalhadas. O provinciano, empalado na mordacidade sarcástica do seuconhecido, passou ao domínio do ridículo, do “desfrute”, como diziammaviosamente as mulheres, já de si indesfrutáveis. Um literato denominou-oVautrin de cuecas; outro, Artur de feira da ladra; outro, Byron de escabeche;outro, Zaffie de tamancos; outro, Leicester empalhado. Esgotaram todos ospseudónimos da caricatura; inverteram em irrisão a funeral seriedade doprovinciano, imolando-o à zombaria das mulheres como um suplíciomerecido, por ousar ultrajá-las.Um folhetim, sem personalizá-lo, escrito por certo Maxime de Trailles (videBalzac) que então era o primeiro no estilo da zombaria, e no sarcasmo oral, —hoje, espécie de conde Talorme de Mery (vide Amor e Roma), exerce asfunções diplomáticas do seu modelo... esse folhetim, acinzelado de modo quenão escondia a menor feição de Guilherme, deu ao provinciano a publicidadegalhofeira, para ele não tinha ainda, fôra de uma pequena roda. Para maiorafronta, remeteram-lhe o jornal em carta fechada, aconselhando-o quedeixasse Lisboa, e voltasse ao “ninho seu paterno” a cultivar o repolho e abatata. Os chascos, as ironias e as injúrias eram-lhe aí tão cáusticas, tãopungentes à sua vaidade, que Amaral, juvenil de mais para sacudir a farpa,sentiu-a no coração, envergonhou-se de si próprio, concentrou-se naconsciência da importância que lhe davam, e arrependeu-se de ter parodiado,tanto à letra, os monstruosos moldes dos seus romances.Estava, portanto, o aflito rapaz muito longe do cinismo indispensável paraarrostar as insolências do folhetinista, justamente aquele que lhe arrancara,num diálogo, as extravagantes teorias.
Guilherme do Amaral, os poucos dias que esteve em Lisboa, viveu-osencerrado no seu quarto de hospedaria. Ninguém o procurou durante essesdias; mas, na véspera da sua saída, quando visitava, despedindo-se, as pessoasque o apresentaram, encontrou uma, que lhe disse o seguinte:— Faz bem saindo de Lisboa. Isto aqui não é o que vossa senhoriaimaginou de lá. As excentricidades são aqui bem recebidas; mas é necessárioque o excêntrico não toque na chaga irritável desta gente. Vossa senhoria disseao seu amigo, ou conhecido... que as mulheres eram a mentira, a venalidade ea corrupção. Disse, talvez, a verdade; mas isso não se diz a toda a gente. Oexcêntrico pode embriagar-se todos os dias, que ninguém por isso oridiculariza: o mais que fazem é lamentá-lo. Pode ser desordeiro, e visitartodas as noites o corpo da guarda, que ninguém o achincalha. Pode calotear,seduzir, infamar reputações... não é por isso expulso pelo marido da mulherinfamada; o que, porém, não pode, é fitar a luneta com soberano desprezo nasmulheres das salas, e dizer: “Tudo isto me enoja.” O senhor é célebre: é,talvez, um cético, exagerando a moda; seja-o muito embora, mas não o digaaos homens, diga-o às mulheres, que, muito longe de se ofenderem,lisonjeiam-se com a esperança de o conquistarem, galvanizando-o à força dedescargas elétricas, de sorrisos voluptuosos. Está cansado? Deite-se, durma,não venha à sociedade, aplique-se os tónicos gerais da solidão, que vigorizamo espírito e convalescem os desejos saciados. A sala não serve para todos.Ora, se o seu cansaço é uma ficção, um irrefletido amor de celebridade, comoamigo lhe aconselho que se deixe disso. Viva como toda a outra gente.Coma, beba, durma, ame, aborreça, seduza, infame, defenda as mulheresinfamadas pelos outros, bata-se com os maridos das suas condessas deRestaud, jogue a sua casa, indemnize-se das perdas, imitando o seu censor, osignatário pseudónimo do folhetim em que vossa senhoria é zombeteiramentepintado... Quer o meu amigo a celebridade do salão? Nada de convícios erecriminações contra as mulheres. Profundo silêncio com os homens; mas,com elas, uma eloquência lânguida, uma lamuriante saudade por um anjo, quesonhou aos quinze anos, de modo que, bem apurada a visão, o anjo venha aser a mulher com quem fala, e pouco depois a outra com quem falar, e depoisa outra, até à dona da casa, embora tenha cinquenta anos. De cara a cara, semtestemunhas, pode-se dizer a uma mulher tudo, que afronta o seu amorpróprio:ela sofre, cala-se, e resigna-se; mas, diante de um homem, isso émuito sério. Está provado por isso que a honra não está na consciência, estána opinião pública: nós sentimo-nos desonrados quando os outros dizem que
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— É porque não quero que adorme
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das ovelhas tresmalhadas do rebanho
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Não sabemos de boa fonte os sonhos
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— Sim...— Mas eu quero vê-la n
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— E esse homem é barão?!— Com
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