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Untitled - Luso Livros

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paraíso... Toda a minha felicidade de um dia, transformada em horrívelsolidão, aí, nesse mesmo quarto, nessas salas, nesse jardim, debaixo desse céuonde vivi, onde amei, onde morri... ó senhor... não posso, não posso... iamorrer vagarosamente, morrer em todos os minutos, assistir à passagem dosdias, dos anos, sem esperança, sem voz alguma, que me minta, ao menos, queme afigure possível tornar ao que fui, ao amor daquele homem... Sou menosdesgraçada aqui... o meu filho morrerá no meu seio, não poderá sobreviverme,não abrirá os olhos à luz do mundo, não pedirá uma esmola ao verdugoda sua mãe... Se não morrer... se Deus me quer punir com a vida... trabalhareipara sustentá-lo, pedirei esmola para educá-lo... Educá-lo, meu? Deus!... Paraquê? Não, não. Eu era mais feliz se me deixassem na escuridão da minhaignorância... Seria bom apurarem-me a sensibilidade com a delicadeza dossentimentos... mostrarem-me a luz e fugirem-me... darem-me ambições de umideal que eu só sabia desejar e não quereria nunca ver realizado?... Foi umaloucura... uma crueldade... O meu filho será um operário... um jornaleiro, umhomem que se encoste a uma pedra, e adormeça cansado de trabalho... Nãome creia demente, senhor... É um propósito que não desmentirei... e paralevá-lo ao fim preciso de viver obscura e pobre na casa onde morreram meuspais, entre estas quatro paredes onde nasci, trabalhando em suspensórios,trocando o trabalho de cada dia por um bocado de pão, velando as noites paragranjear o almoço do dia seguinte, ensinando ao meu filho com fingidocontentamento a alegria na miséria. Eis aqui o meu futuro. É uma tenção queme não sairá da alma enquanto a vir escrita no céu... e proferida pelos lábiosda minha pobre mãe, que, há vinte meses, morreu nesta mesma cama... Quehorrível lembrança!... Um cadáver a sair, e a desonra a entrar... Agora, sim... oque eu sinto... é um sofrimento horroroso... Meu Deus, meu Deus, tendecompaixão de mim!...Augusta erguera as mãos suplicantes, e o poeta em pé, com os cabelos hirtos,testemunhava trémulo, e até supersticioso, aquele lance. Queria ocorrer compalavras; todas, porém, lhe pareciam vãs e frias, Voltou com religioso tremoras mãos de Augusta, e sentiu-as de gelo. Aquela fronte cadavérica pendeulentamente para os braços dele, e duas lágrimas, ao longo das faces roxas,caíram-lhe nas mãos já frias, como as últimas que fogem dos olhos com a luz.Augusta desmaiara. O poeta encostou-a ao travesseiro, e correu a chamar Ana,ao mesmo tempo que o artista aparecia na extremidade da rua. Pouco depois,entrava o primeiro cirurgião, deparado às diligências ansiosas do literato.Augusta tornara a si; mas o facultativo disse que a não contrariassem, porque

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