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Do espectro da metafísica à metafísica do espectro | Fabián Ludueña | <strong>SPECIES</strong> n1 | 11<br />

b) Ao não existir uma diferença ontológica de gradação entre as criaturas e a possível transcendência<br />

de um Deus criador, então o infinito se expressa de igual modo em qualquer ser finito e, assim,<br />

o espectro não tem nenhum privilégio de perfeição ontológica. Os entes geométricos, dos quais<br />

o pensamento pode dar conta (como um triângulo ou um círculo), são, por sua clareza, criações<br />

existentes de Deus. Em contrapartida, a ideia do espectro provém não do pensamento, mas da<br />

imaginação, do mesmo modo que as harpias, os grifos ou as hidras e portanto “posso considerá-los<br />

como sonhos, os quais se diferenciam de Deus tanto como o não-ser do ser”. 11 O mundo onírico<br />

é, pois, um reino do ontologicamente irrelevante, das quimeras da imaginação humana que não<br />

participam da perfeição e da gravidade do ser. Nesse sentido, fruto da imaginação, o espectro seria<br />

inexistente.<br />

c) Por fim, não é possível estabelecer gradações hierárquicas na matéria infinita, portanto, não há<br />

lugar para entidades sutis materialmente distintas do resto do universo criado.<br />

Por conseguinte, o objetivo de Spinoza consiste em desmantelar as filosofias que haviam “inventado<br />

as qualidades ocultas, as espécies intencionais, as formas substanciais” 12 , de cunho platônico-aristotélico<br />

aos olhos de Spinoza, para reivindicar o atomismo e o epicurismo. Por isso, seus propósitos não<br />

podem ser dissociados do que Spinoza enunciara em seu Tractatus theologico-politicus, no qual escreveu<br />

que “os fenômenos que compreendemos clara e distintamente merecem se chamar obras de Deus e que<br />

se atribua a eles a vontade divina mais do que esses milagres que nos deixam na ignorância absoluta,<br />

embora ocupem enormemente a imaginação das pessoas”. 13 Do ponto de vista de Spinoza, a validação<br />

do milagre equivaleria ao ateísmo, na medida em que, de fato, introduziria uma cisão em Deus mesmo,<br />

considerado como realização das leis naturais. O milagre, fazendo com que algo exista contra ou acima<br />

da Natureza, eliminaria, consequentemente, a ideia de um Deus criador de leis naturais sobre as quais<br />

ele mesmo se desenrola de modo imanente.<br />

Rivalizando com Spinoza, Pierre Bayle detectou a enorme importância que possuía no sistema<br />

daquele um elemento aparentemente tão marginal quanto a questão espectral. Em certa medida, Bayle<br />

pôde intuir que no lugar, apenas falsamente marginal, do espectro, se jogava todo o destino da filosofia<br />

moderna. Por isso, no seu artigo do Dictionnaire historique et critique (1740), pôde escrever que Spinoza<br />

“ignorou as consequências inevitáveis de seu sistema ao esquivar-se da aparição de espíritos, posto<br />

que não há filósofo com menor direito que ele para negá-la”. 14 Do ponto de vista de Bayle, se Spinoza<br />

admite que tudo na natureza pensa, então torna-se necessário que o homem não pode ser a inteligência<br />

mais esclarecida e que, portanto, os demônios devem existir.<br />

11<br />

Ibid., p. 321 (carta 54).<br />

12<br />

Ibid., p. 331 (carta 56).<br />

13<br />

Baruch Spinoza. Tractatus theologico-politicus. Em: Oeuvres complètes. Tradução ao francês dede Roland Caillois,<br />

Madeleine Francès y Robert Misrahi. Paris: Gallimard, s/d. p. 698.<br />

14<br />

Pierre Bayle. Diccionario histórico y crítico. Tradução ao castelhano de Fernando Bahr. Buenos Aires: El cuenco de<br />

plata, 2010. p. 336.

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