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<strong>SPECIES</strong> n1 | José Kelly | Aprendendo sobre os diálogos cerimoniais Yanomami<br />

boradores Yanomami. Para minha surpresa, ele corroborou todas as interpretações fornecidas pelos<br />

Yanomami que tinham colaborado comigo anteriormente, e até aquelas que eu achava mais suscetíveis<br />

a sobre-interpretação, ou aquelas que eram claramente improvisações a partir do contexto de sua fala.<br />

Por último, deve-se ter em mente que o contexto geral deste wayamou é o de um membro (Alfredo) da<br />

organização Yanomami da Venezuela (Horonami) pedindo apoio à organização Yanomami do Brasil<br />

(Hutukara), mais consolidada.<br />

1. Hayë, hayë<br />

Exclamação positiva<br />

2. Shoriwë õnohõwë pëfë t h ë ã t h at h ai ha<br />

Cunhado falemos brevemente<br />

3. Ei a pit h a titi rë hãrõkõõpe<br />

Nesta terra/lugar que a noite escurece fazendo-nos tropeçar<br />

4. Weti naha ipa suwë piyë a hõã wãri kua yairayopë<br />

O que será que minha mulher irá me dizer?<br />

5. Weti naha a hõã wãri kuu pihiowei<br />

O que será que ele quer dizer?<br />

Já neste começo vemos alguns traços distintivos do wayamou. As frases (1) e (2) são de interpretação<br />

simples: o locutor (Alfredo) abre sua locução com uma exclamação positiva e sugerindo ou alertando<br />

seu interlocutor sobre sua intenção de ser breve no diálogo. Já em (3) a referência à noite se faz<br />

de forma metafórica: a escuridão é referida através da possibilidade das pessoas tropeçarem ao andar,<br />

por não haver claridade para ver. Trata-se de um exagero, pois na amplidão da praça onde acontecia o<br />

diálogo não haveria possibiliadades de se tropeçar.<br />

As frases (4) e (5) são mais complexas. Trata-se de formas retóricas onde o locutor se coloca na<br />

posição de seus afitrões, que se perguntam o que será que o visitante (Alfredo) vai querer deles. Segundo<br />

minhas conversas com meus colaboradores Yanomami, a intenção destas perguntas retóricas é expressar<br />

algo do tipo: “vocês sabem perfeitamente a que eu venho, não pensem que eu vim sem motivo, não<br />

se perguntem sobre o que eu quero pois vocês sabem que eu quero apoio para minha organização Horonami”.<br />

Esta fórmula retórica, cabe destacar, não é incomum fora dos diálogos wayamou.<br />

Nota-se também que a expressão em (4), “minha mulher”, não se refere a uma mulher, mas ao<br />

Alfredo mesmo, se colocando na posição de seu interlocutor que convencionalmente chamaria ele de<br />

“cunhado”, mas no wayamou esta relação de parentesco é às vezes substituída por seu equivalente de<br />

sexo oposto. Veja-se que em (5) a referência a “ele” remete ao mesmo sujeito de “minha mulher” em (4).<br />

Mais ainda, em (2) Alfredo chama a seu interlocutor de “cunhado”, o que vale para mostrar o caráter<br />

não sistemático destas trocas de termos de parentesco no wayamou.

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