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Do espectro da metafísica à metafísica do espectro | Fabián Ludueña | <strong>SPECIES</strong> n1 | 13<br />
que as imagens não possuem força ontológica, mas são uma manifestação efêmera de uma ilusão.<br />
Contudo, não se deve imaginar isso como um defeito do homem: “dado que se o espírito, imaginando<br />
como presentes coisas que não existem (res non existentes), soubesse ao mesmo tempo que essas<br />
coisas não existem realmente, consideraria esta potência de imaginar (imaginandi potentiam) como<br />
uma virtude de sua natureza (virtuti suae naturae), e não como um vício”. 18 Como se pode ver, a potência<br />
imaginativa do homem é uma virtude, mas, quando se vincula a imagens plenas, ou seja, não<br />
correspondentes a “imagens de coisas (rerum imagines)” exteriores, os conteúdos imaginativos estão<br />
dissociados completamente da esfera do ser e, portanto, são evanescentes e potencialmente errôneos.<br />
A esta esfera, precisamente, como faculdade concomitante ao pensamento mas que não se confunde<br />
ontologicamente com ele, pertence o espectro como um exilado da ontologia, como um ser inexistente.<br />
A assimilação da imaginação ao reino dos sonhos não era patrimônio exclusivo de Spinoza, como<br />
tampouco a problemática da distinção entre sono e vigília é um topos eminentemente cartesiano. Toda a<br />
filosofia moderna está, em certo sentido, atravessada por estas questões. E é sobre esse solo que se tratará<br />
de elucidar o problema do espectro como entidade metafísica.<br />
A antropologia hobbesiana é um exemplo fundamental e fundacional deste modo de raciocínio. O<br />
postulado de Hobbes consistirá, essencialmente, em argumentar que as visões de espectros são o mero<br />
resultado de um estado de ensonhação do sujeito (como a visão de Marco Bruto em Philippi recordada<br />
pelo filósofo). Contudo, também é possível ser vítima de uma superstição e ver um espectro se o sujeito<br />
está possuído pelo medo, que é uma paixão política por excelência: “essa eventualidade não é muito<br />
rara, pois mesmo os que estão perfeitamente despertos, quando são temerosos e supersticiosos (if they<br />
be timorous and superstitious), e se encontram possuídos por terríveis histórias (possesed with fearful<br />
tales), ao estarem sozinhos na escuridão veem-se sujeitos a tais fantasias (fancies), e creem ver espíritos e<br />
fantasmas de homens mortos (spirits and dead men’s ghosts) passeando pelos cemitérios”. 19<br />
Esse momento, em que o homem não pode “distinguir os sonhos e outras fantasias da visão e das<br />
sensações (vision and sense)”, constitui, para Hobbes, o momento de origem das religiões antigas e sua<br />
adoração de “sátiros, faunos, ninfas e outras ficções do gênero”. 20 Ou seja, a ficção, a confusão de um<br />
sonho com uma sensação real, constitui a arché de toda a religião pagã. Se consideramos que a religião e<br />
a sacralidade concomitante no mundo antigo haviam definido o espaço público e afetado as esferas do<br />
direito, podemos então deduzir, com Hobbes, a importância política do sonho e de suas ficções. Deste<br />
ponto de vista, todo regime de governo é também uma política do sonho.<br />
De fato, o próprio Hobbes confirma esta hipótese quando argumenta que “se este temor supersticioso<br />
pelos espíritos fosse eliminado, e com ele as previsões baseadas em sonhos, as falsas profecias e<br />
muitas outras coisas que dependem deles, mediante as quais algumas pessoas astutas e ambiciosas abusam<br />
das pessoas simples, os homens estariam mais aptos do que estão para a obediência civil (men would<br />
18<br />
Baruch Spinoza. Ethica Ordine Geometrico demonstrata. Edição de Bernard Pautrat. Paris: Seuil, 1999. p. 136.<br />
19<br />
Thomas Hobbes. Leviathan. Editado por Richard Tuck. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. p. 18.<br />
20<br />
Ibid., p. 18