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<strong>SPECIES</strong> n1 | Fabián Ludueña | Do espectro da metafísica à metafísica do espectro<br />

Conhecedor da correspondência de Boxel e Spinoza, Pierre Bayle tem a inusitada coragem de declarar<br />

que “não existe nenhuma ligação natural entre o entendimento e o cérebro 15 ; esta é a razão pela<br />

qual devemos crer que uma criatura sem cérebro é tão capaz de pensar quanto uma criatura organizada<br />

como nós”. 16 Bayle considera que Spinoza deveria declarar-se de acordo com uma afirmação do gênero,<br />

dado que, se afirma que o pensamento é um atributo de Deus, não há razão para supor que ele deva ser<br />

igual em toda a natureza e, portanto, se existem seres de pensamento inferior ao homem (os animais)<br />

também existem seres de inteligência superior (demônios). Como se pode ver, a ousadia de Bayle não<br />

consiste apenas em separar o cérebro do entendimento, mas, além disso, em postular que um espectro<br />

é uma espécie de esse objectivum, mais precisamente uma entidade de pensamento puro e, portanto, um<br />

atributo possível da natureza sob a modalidade do pensar.<br />

Certamente, Spinoza não foi o primeiro a rechaçar o espectro do mundo do pensamento. Já Descartes,<br />

quando tenta demonstrar que a memória permite distinguir – contra o argumento enunciado<br />

na primeira de suas Meditações metafísicas – o sono da vigília mediante a restituição da cadeia causal dos<br />

fatos, assinala que, se alguém aparecesse durante a vigília sem poder dar-me conta da série causal que o<br />

conduziu até minha presença, então seria “como as imagens que vejo ao dormir [...] e não sem razão as<br />

consideraria um espectro ou um fantasma formado em meu cérebro, e semelhante aos que se formam<br />

quando durmo, em vez de um homem verdadeiro (non inmmerito spectrum potius, aut phantasma in<br />

cerebro meo effictum, quam verum hominem esse judicarem)”. 17<br />

Com efeito, o espectro não podia ser, apesar do que sustenta Pierre Bayle, assimilado por Spinoza à<br />

sua doutrina, dado que este concebia o pensamento como uma univocidade na qual, efetivamente, podia<br />

existir o Pensamento como expressão infinita de Deus e o pensamento finito do homem individual.<br />

Contudo, a univocidade da concepção impedia a existência de hierarquias entre uma e outra. E ainda<br />

que essa possibilidade não alterasse de todo o sistema spinozista, certamente a possibilidade de uma<br />

existência independente do espectro como pensamento se torna impossível se este não pode ser remetido<br />

à infinitude do pensamento divino e, deste ponto de vista, Spinoza nunca se manifestou favorável à<br />

proliferação das entidades pensantes.<br />

Entretanto, resulta ainda mais decisivo que, tanto para Descartes quanto para Spinoza, o espectro<br />

não pertence – como propõe Bayle – à dimensão do pensamento, mas sim à da imaginação, na qual a<br />

essência eidética de uma quimera não acarreta, em absoluto, sua existência necessária, como se pode<br />

deduzir, ao contrário, a necessariedade de que um triângulo tenha três lados e, por ser uma perfeição<br />

matemática, deva existir criado por Deus. Neste sentido, o espectro é colocado para fora da ordem do<br />

pensamento e, como tal, fora da ordem do ser, para ser encarcerado em uma esfera, a imaginação, em<br />

15<br />

Algo que, certamente, não se poderia dizer tão facilmente em relação à captação do sensível. Cf., nesse sentido,<br />

René Descartes. La Dioptrique, VI. Em: Oeuvres de Descartes. Editadas por Charles Adam y Paul Tannery. Paris: Vrin-<br />

-C.N.R.S. 1964-1974. vol. 5, p. 142: “quando nosso olho ou nossa cabeça voltam-se para algum lado, nossa alma é<br />

notificada pela mudança que os nervos inseridos nos músculos usados nesses movimentos causam em nosso cérebro”.<br />

16<br />

Bayle, Diccionario histórico y crítico, p. 380.<br />

17 René Descartes. Meditationes de prima philosophia. Em: Oeuvres de Descartes, vol. 7, p. 90.

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