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Aprendendo sobre os diálogos cerimoniais Yanomami | José Kelly | <strong>SPECIES</strong> n1 | 53<br />

disse que, em sua comunidade, eles tinham decidido parar de realizar o wayamou porque essas histórias<br />

ficavam vindo à tona e infundindo nas pessoas o desejo de se vingar de seus antigos inimigos. E então<br />

ainda outro Yanomami me disse quase o oposto, que em sua região eles tinham decidido realizar sempre<br />

o wayamou precisamente para por um fim aos ataques. Lizot (1994b) e Alès (1990) mencionam que<br />

os diálogos wayamou estão relacionados com a morte, mas não se estendem muito além disso. De todo<br />

modo, é claro para mim que a facilidade dos diálogos wayamou para resolver conflitos implica uma arte<br />

política muito delicada, que deve compensar o perigo de expor as pessoas a dizerem e ouvirem coisas<br />

que, para que a paz seja mantida, é melhor que não sejam lembradas.<br />

O último elemento a ser considerado é também aquele sobre o qual eu sei menos. Os diálogos<br />

wayamou são repletos de referências sociogeográficas: a nomeação de lugares e residências, rios, montanhas<br />

e povos associados. Isso é referido como urihi weyei, “nomeação da floresta/território”. Alès (1990)<br />

comenta que se trata de um dos modos pelos quais o passado é incluído no wayamou: como os mortos<br />

não podem ser nomeados, a toponímia evoca a memória de pessoas e eventos passados. Talvez essa seja<br />

mais uma instância da metáfora: obliquamente fazer referência aos ancestrais para afetar a relação com<br />

os interlocutores wayamou. Ao conversar com Marcelo, por outro lado, ficou aparente que se nomeia<br />

não só a floresta que se habita ou visita, mas também a floresta que se conhece apenas nos sonhos. Ativar<br />

as relações com os diversos espíritos da floresta requer essa viagem em sonho e parece ser a chave para<br />

a aquisição de um número de capacidades: por exemplo, habilidade no wayamou. Características da<br />

paisagem também são testemunho de eventos míticos, então, ao nomeá-las, também se exibe esse tipo<br />

de conhecimento. Nomear a floresta, assim, evidencia conhecimento do passado mítico e histórico, e<br />

eu penso que isso está intimamente ligado à indexação das capacidades e relações de alguém com seus<br />

interlocutores.<br />

Algumas outras características do wayamou<br />

O wayamou, Lizot insiste, não faz uso de nenhuma forma especial ou arcaica da língua. Explora, por<br />

outro lado, todo o potencial dos recursos linguísticos. Isso é certamente verdade, ainda que certas expressões<br />

ou frases convencionalizadas pareçam ser, se não exclusivas, no mínimo próprias do wayamou.<br />

A metáfora tampouco é, de modo algum, monopolizada pelo discurso wayamou, mas minha impressão<br />

é que a densidade metafórica é mais alta no wayamou do que em qualquer outra forma de fala entre<br />

os Yanomami. As duas últimas características densas do wayamou são o deslocamento comum, embora<br />

não sistemático, de gênero e pronomes pessoais. Nos diálogos, termos de parentesco como “meu<br />

cunhado” e “meu sogro” são frequentemente substituídos por “minha mulher” e “minha sogra”, respectivamente,<br />

e de acordo com a posição de parentesco do interlocutor. Do mesmo modo, “eu” pode ser<br />

substituído por “ele” e “você” por “vocês dois (exclusivo)” ou “vocês (plural exclusivo)”. Lizot (1994b:<br />

60, 61) escreve que o deslocamento de pronomes e gênero é um meio de distanciar o orador de seu<br />

interlocutor, uma maneira de evitar um endereçamento mais direto, e talvez frontal demais. No caso<br />

da mudança de gênero, ele acrescenta que isso revela como, no parentesco Yanomami, a oposição de

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