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28 |<br />

<strong>SPECIES</strong> n1 | Bertrand Prévost | Cósmica cosmética<br />

Da unidade cósmica à lei natural<br />

É evidente que tal “física”, mesmo articulada aos fenômenos estéticos,<br />

não resiste um instante sequer aos progressos contemporâneos das ciências<br />

físicas e ao mundo totalmente renovado que eles deram à luz a partir<br />

do final do século XIX, acabando com a ideia de um cosmos ortonormalizado,<br />

simples e regular, ou melhor, ao pôr termo, pura e simplesmente,<br />

à própria ideia de cosmos como mundo unificado. É exatamente por isso<br />

FIGURA 7: Capacete romano<br />

que diremos ser fundamentalmente grega essa concepção do paramento<br />

"Imperial-Gaulês" com penacho,<br />

articulado com a unidade natural de um cosmos organizado, o que Semper,<br />

de resto, reivindicava de modo explícito. 25<br />

sec. I d.C. (réplica contemporânea).<br />

Visão caduca? – seja. Por mais datada que pareça, tal posição teórica<br />

se estende muito além da situação histórica de seu arauto, assim como<br />

do conservantismo de suas escolhas estéticas. É a Ernst Gombrich que<br />

devemos, em seu grande livro sobre o ornamento – The Sense of Order –,<br />

uma versão moderna, modernizada, desta posição. 26 A que se deveria<br />

tal modernidade? Ao fato de ter expurgado a ideia de ordem da questão<br />

da unidade cósmica, ou, para dizê-lo de outra forma, de ter passado do<br />

Cosmos à Natureza. Ao pé da letra, a posição de Gombrich deve ser<br />

chamada de naturalista. The Sense of Order: toda a tese de Gombrich,<br />

com efeito, retoma por sua conta a antiga oposição entre a ordem e a<br />

desordem, o cosmos e o caos: “[...] é o contraste entre a desordem e a<br />

ordem que alerta nossa percepção”. 27 Mas se a oposição ordem-desordem<br />

é conservada, não é mais a título de uma ordenação física geral do<br />

mundo, mas a título da pura legalidade de suas regras e princípios: a<br />

ordem expressa então o conjunto das leis da natureza. 28 O paramento,<br />

e além dele todo o conjunto ornamental, obedece a leis naturais, cuja ordem<br />

se deve tão-somente à legalidade destas, e não à sua articulação em FIGURA 8: Cocar de guerra Lakota,<br />

um todo unitário. Dir-se-á então que o ornamento é antes natural que sec. XX, Londres, Museu Britânico.<br />

cósmico. De fato, Gombrich levava em conta a virada moderna pela qual<br />

a ciência, de Galileu a Newton, e a filosofia, de Descartes a Kant, tinham feito explodir o cosmos dos<br />

antigos, passando a apreender sua totalidade apenas na unidade de aplicação de regras. Não por acaso,<br />

25<br />

A conferência de 1856 se colocava desde suas primeiras linhas sob a invocação do cosmos grego. Cf. Semper, “De<br />

la détermination formelle de l’ornement”, p. 235.<br />

26<br />

E. Gombrich. The Sense of Order. A study in the Psychology of decorative Art. Londres: Phaidon, 1979. A aversão de<br />

Gombrich por Semper, em algumas páginas que ele lhe consagra (“Semper is pedantic and soporific”, p. 47), não é nada<br />

menos que surpreendente.<br />

27<br />

Ibid., p. 6.<br />

28<br />

Gombrich escreve, na p. 5, “laws of physics”.

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