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<strong>SPECIES</strong> n1 | Bertrand Prévost | Cósmica cosmética<br />
Da unidade cósmica à lei natural<br />
É evidente que tal “física”, mesmo articulada aos fenômenos estéticos,<br />
não resiste um instante sequer aos progressos contemporâneos das ciências<br />
físicas e ao mundo totalmente renovado que eles deram à luz a partir<br />
do final do século XIX, acabando com a ideia de um cosmos ortonormalizado,<br />
simples e regular, ou melhor, ao pôr termo, pura e simplesmente,<br />
à própria ideia de cosmos como mundo unificado. É exatamente por isso<br />
FIGURA 7: Capacete romano<br />
que diremos ser fundamentalmente grega essa concepção do paramento<br />
"Imperial-Gaulês" com penacho,<br />
articulado com a unidade natural de um cosmos organizado, o que Semper,<br />
de resto, reivindicava de modo explícito. 25<br />
sec. I d.C. (réplica contemporânea).<br />
Visão caduca? – seja. Por mais datada que pareça, tal posição teórica<br />
se estende muito além da situação histórica de seu arauto, assim como<br />
do conservantismo de suas escolhas estéticas. É a Ernst Gombrich que<br />
devemos, em seu grande livro sobre o ornamento – The Sense of Order –,<br />
uma versão moderna, modernizada, desta posição. 26 A que se deveria<br />
tal modernidade? Ao fato de ter expurgado a ideia de ordem da questão<br />
da unidade cósmica, ou, para dizê-lo de outra forma, de ter passado do<br />
Cosmos à Natureza. Ao pé da letra, a posição de Gombrich deve ser<br />
chamada de naturalista. The Sense of Order: toda a tese de Gombrich,<br />
com efeito, retoma por sua conta a antiga oposição entre a ordem e a<br />
desordem, o cosmos e o caos: “[...] é o contraste entre a desordem e a<br />
ordem que alerta nossa percepção”. 27 Mas se a oposição ordem-desordem<br />
é conservada, não é mais a título de uma ordenação física geral do<br />
mundo, mas a título da pura legalidade de suas regras e princípios: a<br />
ordem expressa então o conjunto das leis da natureza. 28 O paramento,<br />
e além dele todo o conjunto ornamental, obedece a leis naturais, cuja ordem<br />
se deve tão-somente à legalidade destas, e não à sua articulação em FIGURA 8: Cocar de guerra Lakota,<br />
um todo unitário. Dir-se-á então que o ornamento é antes natural que sec. XX, Londres, Museu Britânico.<br />
cósmico. De fato, Gombrich levava em conta a virada moderna pela qual<br />
a ciência, de Galileu a Newton, e a filosofia, de Descartes a Kant, tinham feito explodir o cosmos dos<br />
antigos, passando a apreender sua totalidade apenas na unidade de aplicação de regras. Não por acaso,<br />
25<br />
A conferência de 1856 se colocava desde suas primeiras linhas sob a invocação do cosmos grego. Cf. Semper, “De<br />
la détermination formelle de l’ornement”, p. 235.<br />
26<br />
E. Gombrich. The Sense of Order. A study in the Psychology of decorative Art. Londres: Phaidon, 1979. A aversão de<br />
Gombrich por Semper, em algumas páginas que ele lhe consagra (“Semper is pedantic and soporific”, p. 47), não é nada<br />
menos que surpreendente.<br />
27<br />
Ibid., p. 6.<br />
28<br />
Gombrich escreve, na p. 5, “laws of physics”.