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<strong>SPECIES</strong> n1 | José Kelly | Aprendendo sobre os diálogos cerimoniais Yanomami<br />

corrente de críticas continua através da noite e é só perto da aurora, quando as pessoas já falaram sem<br />

restrições o que pensavam, que os mais experientes procuram trazer o diálogo para um compromisso<br />

satisfatório de manutenção da paz. Na versão genérica de Marcelo sobre essa sequência, ele evoca apelos<br />

para esquecer os insultos proferidos durante a noite e os desafios ao combate pela manhã; essa fase de<br />

conversa amigável pode ser dita em termos de okeprou, “calmante”, em oposição à fase prévia em que se<br />

infligem recriminações, que é wayu.<br />

Nada melhor para ilustrar a sequência de exposição de queixas e o proferimento de ameaças seguidas<br />

por esforços mútuos em direção à paz e à tranquilidade que o seguinte extrato de um wayamou entre<br />

duas comunidades em conflito latente que Lizot (1994b:78) transcreveu:<br />

1. Quando eu tiver chegado [à sua comunidade]<br />

2. Eu me aproximarei de você imediatamente<br />

3. Não pense que passarei por cada lar<br />

4. Vou te atacar immediatamente<br />

5. Vou te atacar assim que chegar aí<br />

6. Tenho estado na iminência de te bater nas costelas<br />

7. Ouça as minhas palavras:<br />

8. É assim que os Yanomami disputam questões<br />

9. Depois que eles acalmam uns aos outros<br />

10. Depois que eles acalmam uns aos outros (oke-ma-yo-u)<br />

Essa estrutura não é exclusiva da resolução de conflitos entre comunidades Yanomami, conforme<br />

soube durante as sessões em Puerto Ayacucho. Desde meu primeiro trabalho de campo com os Yanomami<br />

(2000), era notável que a maioria, senão todos os encontros com os brancos – normalmente<br />

representantes de Estado ou antropólogos, como eu – começavam com amargas recriminações de más<br />

ações e um grau de explícita intimidação; em seguida vinha uma resposta explicativa dos representantes<br />

dos brancos, dando desculpas, explicando mal-entendidos etc., e uma fase final de procura de uma<br />

aliança para o trabalho. Alguma forma de trabalho se seguirá, promessas serão trocadas, as relações se<br />

suavizam e, depois de um tempo, outra reunião de estrutura similar acontece. É só agora que me dou<br />

conta de que todos esses encontros Yanomami-Brancos exibem a estrutura e cumprem a função política<br />

dos diálogos wayamou. Quer seja coincidência ou sinal, nesse período em Puerto Ayacucho foi a<br />

primeira vez em que ouvi reuniões com brancos – uma reunião com autoridades de saúde aconteceu<br />

durante minha estadia – sendo referidas como wayamou.<br />

Eu não deveria terminar esta seção sem reforçar o caráter tenso dos wayamou. Em cada sessão que<br />

testemunhei, os Yanomami com quem eu estava sentiram-se inquietos, nervosos e, eu diria, levemente<br />

amedrontados antes de o diálogo começar. Os Yanomami mencionaram para mim várias vezes que,<br />

durante o wayamou, muita história é recuperada, “antecedentes”, como um me disse. Outro amigo me

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