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Do espectro da metafísica à metafísica do espectro | Fabián Ludueña | <strong>SPECIES</strong> n1 | 9<br />

Há já algum tempo tentamos desenvolver um projeto que denominamos A comunidade dos espectros,<br />

e que será desenvolvido em vários volumes. O primeiro buscar levar adiante uma indagação<br />

genealógica (que acreditamos ainda ser necessária, dado que nossa proposta é, em alguns aspectos, pós-<br />

-genealógica mas não anti-genealógica) sobre a constituição do humano a partir da domesticação da<br />

animalidade constitutiva do Homo sapiens, tomando como ponto de partida as antropotecnologias<br />

jurídicas e teológicas que modelaram, no devir secular, a constituição da comunidade vital que os humanos<br />

formamos e que hoje atinge um ponto crítico de sua história antropotécnica, justamente devido<br />

à possibilidade de novas manipulações genéticas da vida que comportam precisamente uma nova<br />

metafísica das diferenças (ontológicas e sexuais). 3 Ao mesmo tempo, o trabalho prosseguiu com uma<br />

indagação sobre o que decidimos chamar de princípio antrópico subjacente à concepção metafísica<br />

predominante e que tentamos questionar ou, ao menos, submeter a uma consideração crítica. 4 Ali, os<br />

conceitos de “extinção” e de Outside apresentam-se como possíveis horizontes ou prolegômenos de uma<br />

metafísica futura. Em nossas pesquisas mais recentes, esse giro metafísico começou a tomar o lugar da<br />

necessária tarefa genealógica precedente (que, por razões metodológicas, preferimos chamar ultra-história<br />

ontológica). 5<br />

Nosso ponto de partida toma como fundamento uma constatação: a filosofia moderna pôde se<br />

construir, para além da enganosa cesura kantiana, a partir e só a partir de um postulado comum que se<br />

resume na proposição: “não é possível a existência dos espectros”, e que, em sua forma mais sofisticada,<br />

se enuncia como: “a espectralidade é apenas uma forma da consciência transcendental que devém<br />

condição de toda imagem”. Comecemos pelo princípio. Ou então por um princípio possível, sempre<br />

arbitrário, naturalmente. No dia 14 de setembro de 1674, o filósofo Baruch Spinoza recebe uma carta<br />

de um personagem que, com certa fama em seu tempo, hoje aparece como mais uma vítima do esquecimento<br />

implacável do tempo. Trata-se do jurista Hugo Boxel, que fora secretário da cidade de Gorcum<br />

de 1655 até 1659, bem como pensionário da mesma até ser deposto do cargo em 1672, pelo Príncipe<br />

3<br />

Fabián Ludueña Romandini. A comunidade dos espectros I. Antropotecnia. Tradução de Alexandre Nodari e Leonardo<br />

D’Ávila de Oliveira. Desterro: Cultura e Barbárie, 2012.<br />

4<br />

Fabián Ludueña Romandini. Para além do principio antrópico. Por uma filosofia do Outside. Tradução de Leonardo<br />

D’Ávila de Oliveira. Desterro: Cultura e Barbárie, 2012.<br />

5<br />

Os caminhos de uma metafísica foram precocemente revisitados pelo pensamento brasileiro: precede-nos o célebre<br />

“cogito canibal” das metafísicas do devir enunciadas por Eduardo Viveiros de Castro (Métaphysiques cannibales. Paris:<br />

Presses Universitaires de France, 2009), e se continuam nos trabalhos de Erick Felinto sobre a cartografia do imaginário<br />

cyber-cultural (cf., por exemplo, pasa a tensão entre “materialidade e espiritualidade”, Silêncio de Deus, Silêncio dos<br />

Homens. Babel e Sobrevivência do Sagrado na Literatura Moderna. Porto Alegre: Editora Sulina, 2008). Por outro lado,<br />

não podemos deixar de assinalar os trabalhos de Alexandre Nodari (“O extra-terrestre e o extra-humano: notas sobre<br />

“revolta kósmica da criatura contra o criador”. Landa, vol 1, nº 2, 2013. pp. 251-260) sobre o hetairismo ontológico<br />

(herdeiros de Oswald de Andrade), os desenvolvimentos de Flávia Cera sobre o que gostaria de chamar de uma “metafísica<br />

dos Parangolés” de Hélio Oiticica, assim como os trabalhos de Leonardo D’Ávila de Oliveira sobre as entidades<br />

(cf. “Entidade”. Sopro, nº 79, 2012. pp. 11-16). Uma menção especial também deve ser feita, obviamente, às pesquisas<br />

de Idelber Avelar sobre os direitos não-humanos que se erguem sobre o pano de fundo do perspectivismo ameríndio<br />

de Viveiros de Castro (“Amerindian perspectivism and non-human rights”. Alter/nativas, nº1, 2013. pp. 1-21).

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