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<strong>SPECIES</strong> n1 | José Kelly | Aprendendo sobre os diálogos cerimoniais Yanomami<br />
35. Ĩhi rë a puhi mrai tëhë<br />
Estando tonto sob o efeito das substâncias<br />
36. Ya e itëtëtariyopë<br />
Eu chegarei perto dele<br />
37. Heriyë a ni ta warohoiku<br />
Cunhado fala firme com ele / defende-te bem<br />
38. Ĩhi wa ni fa warohoikuni<br />
Assim que você fale firmemente com ele<br />
39. Kihi, kihi, kihi<br />
[diga] este aqui, este, este<br />
40. Horomopë thawë<br />
Rochedo que assobia<br />
41. Horomopë<br />
Rochedo que assobia<br />
A sequência (30)-(41) é bastante complexa e foi objeto de bastante avaliação. Neste caso é melhor<br />
partir da interpretação final que me foi dada. Trata-se de um “plano”, um pedido, para que Dario fale<br />
com o presidente Chávez, alertando-o da situação da Horonami e fazendo que ele seja favorável ao<br />
pedido de apoio que os Yanomami irão fazer uma vez que ele seja “sensibilizado”. Trata-se de torná-lo<br />
generoso (shi ihitamai). Comecemos agora linha por linha. As frases (30) e (31) introduzem o espírito<br />
(fekura) do gavião, Koimãyãriwë, e diz que ele mora em Caracas, longe da terra Yanomami, em direção<br />
rio-abaixo. Quem é Koimãyãriwë? Numa primeira interpretação os Yanomami diseram que é uma metáfora<br />
para o presidente Chávez, pois o gavião é um pássaro do qual os Yanomami pegam penas para fazer<br />
adornos corporais. Assim como o gavião é uma fonte de adornos, Chávez, que tem muitos recursos,<br />
é uma fonte de apoio financeiro. Após esta interpretação, Marcelo, que é um xamã da região de Parima,<br />
me disse que não se tratava disso. Ele disse: “você conhece Caracas né? Lá tem uma montanha alta não<br />
é?” – de fato, Caracas está ao pé de uma montanha de mais de 2.600 metros de altura, chamada “Avila”,<br />
que é uma referência importante na cidade. “Bom, acima dessa montanha mora o espírito Koimãyãriwë.<br />
Chávez só conhece o animal (o gavião), não conhece o espírito, mas Koimãyãriwë conhece Chávez”. Ha<br />
vários indícios de que esta interpretação é bastante plausível. Vejamos. Em (30) é dito que Koimãyãriwë<br />
mora em Caracas, kihi Caracas t h eri a rë përipe, mas não em qualquer lugar. Ele mora no alto. Pode-se<br />
inferir isto do locativo pe sufixado na raiz verbal përi-, que no contexto quer dizer “morar, viver”, pois<br />
a função deste locativo é indicar algo que está, ou que se desenvolve, no alto “sobre uma montanha ou<br />
árvore” diz Lizot (2004:308). Mas o fato do Marcelo ser xamã introduz outros elementos que fazem ele<br />
entender esta referência de uma forma específica, e que eu só percebi muito depois. Na tese de Albert