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<strong>SPECIES</strong> n1 | José Kelly | Aprendendo sobre os diálogos cerimoniais Yanomami<br />

nerárias nas quais comunidades aliadas chegam como convidadas à residência do falecido. Mas também<br />

podem ocorrer independentemente, caso em que os visitantes chegam, talvez depois de um dia ou mais<br />

de caminhada, e encetam o diálogo durante a noite, fazem uma refeição reconstituidora pela manhã,<br />

trocam bens e então partem rapidamente.<br />

Descrição do wayamou<br />

Os diálogos wayamou são um assunto estritamente noturno. Depois que os visitantes são recebidos,<br />

à medida que o sol se põe e a escuridão se impõe, o primeiro par de participantes visitante-anfitrião<br />

começa o diálogo. Os primeiros a participar são os mais jovens e menos experientes. Conforme a noite<br />

segue, oradores mais versáteis sucedem os inexperientes e, em direção à aurora, os velhos exibem sua virtuosidade.<br />

A luz da manhã põe um fim à troca verbal e inaugura a troca de bens, que é, invariavelmente,<br />

um tópico dos próprios diálogos noturnos, mesmo que a relação entre aquilo que é pedido no diálogo<br />

e o que é efetivamente trocado pela manhã não seja, de modo algum, direta (Lizot, 1990).<br />

Em cada diálogo, um participante assume a liderança falando ou cantando suas frases, enquanto o<br />

outro, atentamente agachado à sua frente, responde repetindo suas palavras, de modo idêntico ou com<br />

uma pequena variação. As frases podem ser cantadas ou faladas, ser quebradas em partes multissilábicas<br />

ou até em monossílabos. A resposta deve ser rápida, ao ponto em que, por vezes, um interlocutor<br />

adivinha a frase do líder antes que ele termine. A voz – falada ou cantada – é, na maior parte do tempo,<br />

vigorosa e frequentemente intimidadora, o orador harmoniza as suas palavras com um leve balanço do<br />

corpo, batendo as mãos nas pernas agachadas, pontuando assim a força das palavras. Ele também pode<br />

ficar de pé, movendo-se para os lados, encarando o adversário e brandindo o seu arco e flecha ou espingarda.<br />

Então, subitamente, o líder agachado pode se aproximar do seu interlocutor e sussurrar algumas<br />

frases; eles podem rir juntos: um momento de intimidade com um conteúdo desconhecido atravessa<br />

o desafio geral. O respondente deve repetir as frases do líder mesmo que o dito seja uma recriminação;<br />

ele pode, por vezes, apenas reconhecer a justeza das palavras do líder. Ele pode repetir frase por frase,<br />

sílaba por sílada, dependendo do formato do que foi falado pelo líder, ou esperar uma sequência multissilábica<br />

terminar e então proferir a frase reconstruída. Por vezes, uma resposta espirituosa pode, por<br />

algumas frases, alternar o líder da troca pelo respondente, mas em geral a convenção é que, depois de o<br />

líder ter terminado, será a sua vez de ouvir e repetir as palavras de seu interlocutor. Conforme os dois<br />

interlocutores se consomem neste duelo verbal que testa sua estamina física e vocal, o resto das pessoas<br />

escuta de suas redes.<br />

Visitantes se revezam, assim como anfitriões, embora essas sucessões não precisem ser simultâneas<br />

e dependam da estamina e das habilidades individuais. Parece que os pares devem ser formados segundo<br />

a habilidade de cada pessoa, e um desequilíbrio claro provoca uma substituição. Os participantes do<br />

wayamou claramente visam superar uns aos outros, mas minha impressão é que isso não deve ocorrer ao<br />

custo do prazer estético que resulta das vozes bem articuladas de um par equilibrado de interlocutores.<br />

Uma oferta para substituir um companheiro participante é iniciada da rede com uma canto

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