03.11.2015 Views

SPECIES

species1

species1

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

34 |<br />

<strong>SPECIES</strong> n1 | Bertrand Prévost | Cósmica cosmética<br />

a projeção de um corpo exterior. Essa projeção, com muita frequência, pode chegar à incorporação 47 : a<br />

exterioridade do paramento é como que interiorizada pelo corpo, com todos os acentos dramáticos que<br />

o homem moderno terá desejado ver nessa “extensão trágica” de um corpo a seus atavios, estranhos à<br />

sua substância, para falar como Aby Warburg. 48 E se recusamos aos animais o paramento (no Ocidente,<br />

bem entendido), é porque os animais não projetam nada. Eles têm habitudes, mas não hábitos. 49 Ou<br />

melhor: se a vestimenta, ao menos em toda a tradição antiga e cristã, é tida como o próprio do homem,<br />

é porque a projeção humana terá encontrado na vestimenta, ou mais exatamente no revestimento, algo<br />

como seu ato originário, como sua dinâmica soberana: um corpo segundo e cultural – hábitos [habits],<br />

paramentos, objetos – aplica-se a um corpo primeiro, nu e natural. 50<br />

Jacques Soulilou estabeleceu algumas balizas<br />

para criticar tal modelo projetivo ao armar uma<br />

dialética da vestimenta e do paramento. Ao fazê-<br />

-lo, é a hipótese de Gottfried Semper que se vê<br />

revigorada, ou seja, essa espécie de ficção histórica<br />

que quer que todas as artes, a começar pela<br />

arquitetura, tenham sua origem na fabricação de<br />

têxteis – não mais, portanto, o Semper pensador<br />

da arquitetura cósmica, mas o Semper genealogista<br />

da tecelagem técnica e estética 51 (fig. 13).<br />

O princípio do vestuário ou do revestimento<br />

(Bekleidung) designava para Semper, com efeito,<br />

todo o contrário de um ato projetivo, na medida<br />

em que a própria vestimenta não era a seus olhos<br />

um ser de superfície aplicado sobre um corpo. A<br />

>>L. Bergstein. Enlouquecer o subjétil. Tradução de Geraldo Gerson de Souza. Cotia: Ateliê Editorial; São Paulo:<br />

UNESP e Imprensa Oficial, 1998).]<br />

47<br />

Mauss, Manuel d’ethnographie, p. 96: “O homem sempre buscou, em sociedade, sobrepor a si algo de belo, incorporá-lo<br />

a si”.<br />

48<br />

Ver A. Warburg. Souvenir d’um Voyage en pays Pueblo. Notes inédites pour la conférence de Kreuzlingen sur le rituel du<br />

serpente (1923). Tradução ao francês de S. Muller, em: P.-A. Michaud. Aby Warburg et l’image em mouvement. Paris:<br />

Macula, 1998; p. 264-265: “Tragédia da incorporação fenomenológica. – Uma extensão trágica porque ela não correspondia<br />

a seu ser. [...] Donde vêm todas essas questões e esses enigmas sobre a empatia diante da natureza inanimada?<br />

Porque existe efetivamente para o homem um estado que o pode unir a alguma coisa – justamente ao portar ou ao<br />

manejar alguma coisa – com alguma coisa que lhe corresponde, mas que não corre em suas veias. O trágico do costume<br />

e do utensílio é a história da tragédia humana [...]”.<br />

49<br />

Em francês, há um jogo entre habitudes – hábitos no sentido de práticas costumeiras – e habits – hábitos no sentido<br />

de indumentária. Para preservar o jogo, recorremos ao pouco usual “habitudes”, dicionarizado em português.<br />

50<br />

Gil Bartholeyns analisou a fundo este próprio indumentário do homem no ocidente: ver o já citado “L’homme au<br />

risque du vêtement”.<br />

51<br />

Ver Semper, Der Stil. Não nos cabe aqui estendermo-nos mais longamente sobre a ficção semperiana e sua fecundidade<br />

histórica.<br />

FIGURA 13: Fachada da tumba de Midas,<br />

lâmina tirada de G. Semper, Der Stil, Munique, 1860.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!