94 | <strong>SPECIES</strong> n1 | Carl Einstein | Arte absoluta e política absoluta (1921) com a criação do espaço. O espaço, uma expressão da função, não é mais recalcado pelos objetos; ditadura da visão. A política também desobjetivou a Rússia. Ela não era mais endosso de coisas conservadoras e tautológicas; tornara-se a função subjetiva predominante, ditadura do sem-coisas.
O livro Veronica Stigger Professora da FAAP e escritora. Autora, entre outros, de Opisanie swiata (Cosac Naify), vencedor do Prêmio São Paulo (2014) e do Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional (2013) Boa tarde a todos. Gostaria primeiramente de agradecer o convite para estar aqui. É um grande prazer poder falar das minhas pesquisas recentes para plateia tão qualificada. Pretendo discorrer um pouco sobre um livro inédito, chamado Rancho, o mais recente e talvez derradeiro volume de Veronica Stigger, escritora que venho estudando há algum tempo. Como todos sabem, Stigger está desaparecida há mais de um mês. 1 Ela foi vista pela última vez às cinco horas e quarenta e cinco minutos da manhã de 14 de outubro de 2013, na esteira de número 3 da retirada de bagagem do desembarque internacional do aeroporto de Guarulhos. Sete dias depois de seu sumiço, chegou a meu endereço um envelope enviado de Montevidéu, com a data do carimbo ilegível, contendo um livro feito artesanalmente. O livro tem tamanho padrão, capa amarelo-gema, num papel que lembra cartolina, e é costurado à mão da maneira mais tosca que já vi na vida. A impressão é igualmente tosca. Com certeza, não foi impresso em gráfica, mas numa impressora comum daquelas que qualquer um tem em casa. (Sabe impressora velha, que imprime com riscos? Pois era uma dessas. E a tinta só podia ser de cartucho recarregado: caí na besteira de passar a mão sobre as páginas, maravilhada com um original que não conhecia, e fiquei com os dedos todos pretos.) No centro da capa amarelo-gema, se lia, em maiúsculas e vermelho, corpo 60, itálico, fonte Garamond (Stigger achava Garamond a mais elegante das fontes, ainda mais quando em itálico): “Rancho”. Logo abaixo, centralizado, em minúsculas e verde, corpo 18, normal, também Garamond: “Veronica Stigger”. E, no pé da página, igualmente em minúsculas e verde, corpo 14, normal, Garamond: “Edições O Satanista”. Li o livro de uma sentada tão logo ele caiu em minhas mãos. Rancho é uma novela, portanto, a segunda incursão de Veronica Stigger pelo gênero (se é que podemos chamar de novela aquele livro de título impronunciável, que, como observou um arguto leitor à época do lançamento, não tinha “unidade de prosa romanesca”). Conta a história, em primeira pessoa, de uma mulher, Verônica, que percorre o mundo promovendo apresentações em que ela lê sempre o mesmo texto: um poema longo, em tercetos, dividido em três partes (Stigger sempre se achou muito hegeliana). A personagem afirma, no livro, sem qualquer modéstia, que aquele poema é a sua Divina Comédia. Essa ausência total de modéstia, diga-se de passagem, é uma característica também da autora, não só 1 Esta palestra foi proferida em 20 de novembro de 2013, em São Paulo, e até a data do envio deste artigo para publicação, Veronica Stigger continuava desaparecida.