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Cósmica cosmética | Bertrand Prévost | <strong>SPECIES</strong> n1 | 41<br />
FIGURA 23: Araracanga em voo.<br />
FIGURA 24: Ocelos do jaguar.<br />
gânico do animal. Alguma coisa se descola sem por isso constituir um objeto ou uma forma substancial.<br />
A sua maneira, o grande zoólogo Adolf Portmann consagrou toda sua obra morfológica a dar conta<br />
dessa estranha anorganicidade animal, na qualidade de uma biologia do paramento animal. 69 Estranhíssima<br />
“biologia”, de resto, pois o erudito suíço não visava tanto os fenômenos formais e cromáticos quanto<br />
aquilo que, nestes fenômenos, os transfigura em “autênticas aparências” (eigentliche Erscheinungen),<br />
ou, em outros termos, torna-os expressivos. Não será então de admirar que se passe sub-repticiamente<br />
do orgânico ao vital, do vivo a uma vitalidade mais profunda. 70 A aparência expressiva, deste ponto de<br />
vista, não é nem orgânica, nem inorgânica, mas antes anorgânica: os ocelos do jaguar, assim como as cores<br />
cintilantes dos papagaios não são de todo inorgânicos, uma vez que quimicamente são ainda células<br />
vivas que os compõem, pois são ainda processos morfogenéticos que presidem a sua formação; porém,<br />
não são totalmente orgânicos, pois não se decalcam sobre a anatomia ou as divisões do organismo,<br />
e, sobretudo, porque permanecem o mais das vezes afuncionais no tocante à conservação da espécie<br />
(quando não se opõem a ela, nos casos em que o paramento torna-se um estorvo a tal ponto que coloca<br />
em perigo o indivíduo ao atrapalhá-lo em seus movimentos 71 ); a plumagem dos papagaios, para manter<br />
o mesmo exemplo, não conhece dimorfismo sexual e a vivacidade das cores interdita qualquer ideia de<br />
camuflagem. Falar de paramento animal é, portanto, aqui, uma maneira de colocar uma questão quanto<br />
ao sentido dessas formas, e não quanto à sua formação ou sua função. 72<br />
69<br />
Ver A. Portmann. La forme animale. Tradução ao francês de G. Remy. Paris: Payot, 1961. Para uma apresentação<br />
da obra portmaniana e de suas apostas, ver B. Prévost. “L’élégance animale. Esthétique et zoologie selon Adolf Portmann”.<br />
Images Re-vues, 6 (Devenir-Animal), 2009 (http://imagesrevues.revues.org/379).<br />
70<br />
“Parecer é uma função vital”, escreve Portmann (prefácio a T. Jahn. La vie et ses formes. Paris: Bordas, 1968. p. 13):<br />
é de grande importância que Portmann tenha escrito “vital”, e não “orgânica”.<br />
71<br />
Este ponto é capital e necessitaria um longo desenvolvimento, pois testemunha não somente uma divergência, mas<br />
também uma oposição entre a vida orgânica do indivíduo e a vitalidade da aparência.<br />
72<br />
Ver A. Portmann. “Was bedeutet uns die lebendige Gestalt?” Neue Sammlung, Göttinger Blatter für Kultur und >>