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<strong>SPECIES</strong> n1 | Bertrand Prévost | Cósmica cosmética<br />
Portmann não se cansará de elencar as regularidades morfológicas pelas quais as formas expressivas<br />
destinadas à visão distinguem-se radicalmente das formas inexpressivas, não destinadas à visão (os órgãos<br />
internos, por exemplo), uma distinção que corrobora, com a notável exceção dos animais transparentes<br />
73 , uma oposição exterior-interior. Há paramento animal na medida em que o motivo não é nem<br />
completamente interior, nem completamente exterior: ele não se reduz a suas condições internas de<br />
produção, sem por isso ser projetado ao exterior. Dizer que o animal é estriado, atravessado, percorrido<br />
por linhas, motivos e cores, é ainda uma vez sublinhar a exterioridade incorporal dessas formas, é insistir<br />
sobre o fato de que um paramento não é mais projetado do exterior (revestimento inorgânico) do que<br />
produzido do interior (formação orgânica), e que ele não é, portanto, redutível a um fato de cultura,<br />
nem a um fato de natureza: expressão, ele devém com o mundo. 74<br />
Sob que condições poderemos então falar de uma cosmética animal? É preciso se precaver aqui para<br />
não reconduzir inconscientemente a interdição que o Ocidente antigo, cristão ou moderno terá colocado<br />
quanto à possibilidade de pensar um paramento animal. Ou seja, não se trata justamente de conferir<br />
ao animal as prerrogativas técnicas, estéticas, funcionais que justificaram o título de humanidade cosmética.<br />
Assim, é notável constatar a que ponto a ideia de vestimenta animal só pode ser concebida sob<br />
um horizonte antropológico, senão antropocêntrico:<br />
O homem não pode ser considerado como o único animal que fabrica ou que possui vestimentas. Chimpanzés<br />
do Senegal fazem proteções para os pés e para o corpo para colher frutas entre os espinhos. Bonobos<br />
selvagens empunham folhas à guisa de guarda-chuva, exatamente como se fazia numa região da Índia.<br />
Um caranguejo do estreito de Lembeh se “cobre” de maneira durável com pedaços de folhas para fins de<br />
camuflagem. O bernardo-eremita faz uso de uma concha de gastrópodes e a troca várias vezes ao longo da<br />
vida. É difícil não considerar isso como vestimentas, na medida em que a historiografia localiza a função<br />
>> Erziehung, 6 Jahrgang, Heft 1, jan-fev., 1966. p. 1-7 (o tema do sentido das aparências, oposto ao da gênese das<br />
formas, percorre toda a obra de Portmann).<br />
73<br />
Pois sua transparência torna justamente visíveis seus órgãos internos, que se veem assim dotados das prerrogativas<br />
dos órgãos de aparência (coloração viva, simetria, individuação formal, etc.).<br />
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Thomas Golsenne desenvolveu recentemente várias teses sobre o paramento, sensivelmente vizinhas às nossas. Ver>><br />
>>T. Golsenne. “Généalogie de la parure. Du blason comme modele sémiotique au tissu comme modele organique”.<br />
Civilisations, vol. 59, n. 2, 2011 (“Les apparences de l’homme”). p. 41-58. Nós vamos a seu encontro, com efeito, em<br />
pontos essenciais, dentre os quais a crítica do privilégio antropológico do paramento e a separação natureza/cultura<br />
que ela induz, a colocação em causa do modelo projetivo, a referência à obra de Semper, de Portmann, etc. No entanto,<br />
a proximidade parece se ligar mais às declarações de intenção teórica que a seu desenvolvimento crítico, pois o<br />
autor permanece preso a um profundo naturalismo que infringe manifestamente a vontade anunciada de “colocar em<br />
causa o modelo naturalista” em proveito de uma “concepção mais vitalista do paramento”. A morfogênese, com seus<br />
modelos físico-químicos, é, com efeito, convocada para pensar a naturalidade do paramento, em virtude de processos<br />
mais ou menos ligados ao crescimento. Mas se a distinção natureza/cultura é assim temporariamente neutralizada,<br />
ela retorna repentinamente na distinção entre dois dinamismos de paramento: projeção inorgânica desde o exterior,<br />
de uma parte, “ímpeto vital do interior” de outro. “Natureza” é assim o nome dessa interioridade que age nas coisas,<br />
inertes ou vivas, na qualidade de “forças físicas universais”. Isso é reencontrar o gesto fundador de todo naturalismo e<br />
de sua concepção mecanicista e explicativa da força, que não faz mais do que interiorizar choques exteriores (“o paramento<br />
animal [...] aparece pelo resultado do efeito de forças físicas sobre os materiais do ser vivo”).