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<strong>SPECIES</strong> n1 | Fabián Ludueña | Do espectro da metafísica à metafísica do espectro<br />
be much more fitted tan they are for civil Obedience)”. 21 Como se pode ver, o problema do espectro não<br />
é só um problema metafísico, mas também, como não poderia deixar de ser, essencialmente político. A<br />
eliminação do espectro do espaço público e sua desacreditação metafísica parecem ter sido algumas das<br />
condições de possibilidade da política dos sonhos da Modernidade e, portanto, da constituição do Estado<br />
moderno. Do contrário, por que Hobbes se veria levado a tratar amplamente dos espectros em um<br />
livro dedicado ao poder e ao Estado como é o Leviathan? O mistério político do espectro na Modernidade<br />
é uma das temáticas que deveremos abordar se queremos entender sua verdadeira pregnância.<br />
Certamente, Hobbes compreende que os antigos e os medievais definiam os espectros como “tênues<br />
corpos aéreos (thin aërall bodies)” e, deste ponto de vista, eram “substâncias reais e externas (real<br />
and externall Substances)”. 22 Seja dito de passagem, é precisamente esta tendência metafísica que levou,<br />
segundo Hobbes, à definição do Deus cristão como incorpóreo, isto é, Infinito, Onipotente e<br />
Eterno, ou seja, acima da compreensão humana, posição que Hobbes rechaça com veemência. Esta<br />
alegação assume uma nova importância sobretudo se levamos em consideração que, segundo muitas<br />
interpretações, é bem provável que Hobbes tenha pensado na existência de um Deus corporal (ainda<br />
que invisível, infinito e eterno), como consta no apêndice incluído na tradução latina do Leviathan. Ao<br />
mesmo tempo, a agência, a força causante que estas entidades poderiam ter, não se justifica, aos olhos<br />
de Hobbes, a não ser pela força do costume.<br />
Precisamente, da admissão (para Hobbes, metafisicamente equívoca) da existência de espectros se<br />
deriva, como havíamos assinalado, a religião antiga: “a ideia dos espíritos, ignorância das causas segundas,<br />
devoção por aquilo que os homens temem (Devotion towards what men fear) e admissão de coisas<br />
causais como prognóstico, é a semente natural da religião (naturall seed of Religion)”. 23 Evidentemente,<br />
torna a dizê-lo Hobbes, o propósito de tal impostura espectrológica foi, contudo, nobre (mesmo estando<br />
errada) pois buscava tornar os homens “mais aptos para a obediência, as leis, a paz, a caridade<br />
e a sociedade civil (more apt to Obedience, Lawes, Peace, Charity, and civill Society)”. 24 Por isso, sem<br />
quaisquer ambiguidades, Hobbes conclui que “a religião da primeira espécie [a pagã] é uma parte da<br />
política humana (human Politiques) e ensina parte do dever (duty) que os reis terrenos (Earthly Kings)<br />
requerem de seus súditos (Subjects)”. 25<br />
Do ponto de vista metafísico, ao rechaçar a substancialidade do espectro, Hobbes o situa, tal qual<br />
Spinoza, como uma forma a mais da imaginação. Uma imagem, para Hobbes, é “a aparência de uma coisa<br />
visível (Resemblance of some thing visible)”. 26 Agora, um fantasma não tem existência, não se encontra<br />
dentro do mundo ôntico, portanto, “disso fica manifesto que não existe nem pode existir uma imagem<br />
21<br />
Ibid., p. 19.<br />
22<br />
Ibid., p. 77.<br />
23<br />
Ibid., p. 79.<br />
24<br />
Ibid., p. 79.<br />
25<br />
Ibid., p. 79.<br />
26<br />
Ibid., p. 447.