A cidade e as serras - a casa do espiritismo
A cidade e as serras - a casa do espiritismo
A cidade e as serras - a casa do espiritismo
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Imediatamente o Silvério aterrou o meu Príncipe:<br />
-Isto agora são brincadeir<strong>as</strong> de Verão, meu senhor! M<strong>as</strong> há de V. Exª. ver<br />
no Inverno, se V.Exª se agüentar pôr cá! Então é cada temporal, que até parece<br />
que os montes estremecem!<br />
E contou como fora também apanha<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> ia para a Corujeira.<br />
Felizmente, logo de manhã, quan<strong>do</strong> sentiu o ar carrancu<strong>do</strong> e <strong>as</strong> folhinh<strong>as</strong> <strong>do</strong>s<br />
choupos a tremer, se acautelara com o chapéu de chuva e calçara <strong>as</strong> su<strong>as</strong><br />
grandes bot<strong>as</strong>.<br />
-Ainda estive para me abrigar em c<strong>as</strong>a <strong>do</strong> Esgueira, que é um c<strong>as</strong>eiro de<br />
cá. Aquela c<strong>as</strong>a, ali abaixo, onde está a figueira... M<strong>as</strong> a mulher tem esta<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>ente, já há di<strong>as</strong>... e como pode ser obra que se pegue, bexig<strong>as</strong> ou coisa que o<br />
valha, pensei comigo: Nada, o seguro morreu de velho! Meti para o alpendre...<br />
E o senhor D. Jacinto é voltar para c<strong>as</strong>a, e mudar-se, que temos um dia e uma<br />
noite de água.<br />
M<strong>as</strong>, justamente, a chuva começara a cair perpendicular, dum céu ainda<br />
negro, onde o vento se calara; e para além <strong>do</strong> rio e <strong>do</strong>s montes havia uma<br />
claridade, como entre cortin<strong>as</strong> de pano cinzento que se descerram.<br />
Jacinto repousava. Eu não cessara de me sacudir, de bater os pés<br />
encharca<strong>do</strong>s, que me arrefeciam. E o bom Silvério, p<strong>as</strong>san<strong>do</strong> a mão pensativa<br />
sobre o negrume d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> barb<strong>as</strong>, refletia, emendava os seus prognósticos:<br />
-Pois, não senhor... Ainda estia! Nunca pensei. É que tornejou o vento.<br />
O alpendre que nos cobria <strong>as</strong>sentava sobre du<strong>as</strong> paredes em ângulo, de<br />
pedra solta, restos de algum c<strong>as</strong>ebre desmantela<strong>do</strong>, e sobre um esteio fazen<strong>do</strong><br />
cunhal. Nesse momento só abrigava madeira, um cuculo de cestos vazios, e um<br />
carro de bois, onde o meu Príncipe se sentara, enrolan<strong>do</strong> um cigarro,<br />
conforta<strong>do</strong>r. A chuva desabava, copiosa, em longos fios reluzentes. E to<strong>do</strong>s três<br />
nos calávamos, naquela contemplação inerte e sem pensamento, em que uma<br />
chuva grossa e serena sempre imobiliza e retém olhos e alm<strong>as</strong>.<br />
-Ó Sr. Silvério – murmurou lentamente o meu Príncipe -, que é que o<br />
senhor esteve aí a dizer de bexig<strong>as</strong>?<br />
O procura<strong>do</strong>r voltou a face surpreendi<strong>do</strong>:<br />
-Eu, Ex mo Sr?... Ah sim! A mulher <strong>do</strong> Esgueira! É que pode ser, pode ser...<br />
Não imagine V. Exª que faltam pôr cá <strong>do</strong>enç<strong>as</strong>. O ar é bom. Não digo que não!<br />
Arzinho são, aguazinha leve, m<strong>as</strong> às vezes, se V.Exª me dá licença, vai pôr aí<br />
muita maleita..<br />
-M<strong>as</strong> não há médico, não há botica?<br />
O Silvério teve o riso superior de quem habita regiões civilizad<strong>as</strong> e bem<br />
provid<strong>as</strong>...<br />
-Então não havia de haver? Pois há um boticário, em Guiães, lá qu<strong>as</strong>e ao<br />
pé da c<strong>as</strong>a aqui <strong>do</strong> nosso amigo. E homem entendi<strong>do</strong>... o Firmino, hem, Sr.<br />
Fernandes? Homem capaz. Médico é o Dr. Avelino, daqui a légua e meia, n<strong>as</strong><br />
Bols<strong>as</strong>. M<strong>as</strong> já V. Exª vê, esta gentinha é pobre!... Tomaram eles para pão,<br />
quanto mais para remédios!<br />
112