A cidade e as serras - a casa do espiritismo
A cidade e as serras - a casa do espiritismo
A cidade e as serras - a casa do espiritismo
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
M<strong>as</strong> o meu novíssimo amigo, debruça<strong>do</strong> da janela, batia <strong>as</strong> palm<strong>as</strong> – como<br />
Catão para chamar os servos, na Roma simples. E gritava:<br />
-Ana Vaqueira! Um copo de água, bem lava<strong>do</strong>, da fonte velha! Pulei,<br />
imensamente diverti<strong>do</strong>:<br />
-Ó Jacinto! E <strong>as</strong> águ<strong>as</strong> carbonatad<strong>as</strong>? E <strong>as</strong> fosfatad<strong>as</strong>? E <strong>as</strong> esterilizad<strong>as</strong>? E<br />
<strong>as</strong> sódic<strong>as</strong>?...<br />
O meu Príncipe atirou os ombros com um desdém soberbo. E aclamou a<br />
aparição de um grande copo, to<strong>do</strong> embacia<strong>do</strong> pela frescura nevada da água<br />
refulgente, que uma bela moça trazia num prato. Eu admirei sobretu<strong>do</strong> a<br />
moça... Que olhos, dum negro tão líqui<strong>do</strong> e sério! No andar, no quebrar da<br />
cinta, que harmonia e que graça de Ninfa latina!<br />
E apen<strong>as</strong> pela porta desaparecera a esplêndida aparição:<br />
-Ó Jacinto, eu daqui a um instante também quero água! E se compete a<br />
esta rapariga trazer <strong>as</strong> cois<strong>as</strong>, eu, de cinco em cinco minutos, quero uma<br />
coisa!... Que olhos, que corpo... Caramba, menino! Eis a poesia, toda viva, da<br />
serra...<br />
O meu Príncipe sorria, com sinceridade:<br />
-Não! não nos iludamos, Zé Fernandes, nem façamos Arcádia. É uma bela<br />
moça, m<strong>as</strong> uma bruta... Não há ali mais poesia, nem mais sensibilidade, nem<br />
mesmo mais beleza <strong>do</strong> que numa linda vaca turina. Merece o seu nome de Ana<br />
Vaqueira. Trabalha bem, digere bem, concebe bem. Para isso a fez a Natureza,<br />
<strong>as</strong>sim sã e rija; e ela cumpre. O mari<strong>do</strong> todavia não parece contente, porque a<br />
desanca. Também é um belo bruto... Não, meu filho, a serra é maravilhosa e<br />
muito grato lhe estou... M<strong>as</strong> temos aqui a fêmea em toda a sua animalidade e o<br />
macho em to<strong>do</strong> o seu egoísmo... são porém verdadeiros, genuinamente<br />
verdadeiros! E esta verdade, Zé Fernandes, é para mim um repouso.<br />
Lentamente, gozan<strong>do</strong> a frescura, o silêncio, a liberdade <strong>do</strong> v<strong>as</strong>to c<strong>as</strong>arão,<br />
retrocedemos à sala que Jacinto já denominara a Livraria. E, de repente, ao<br />
avistar num canto uma caixa com a tampa meio despregada, qu<strong>as</strong>e me<br />
eng<strong>as</strong>guei, na furiosa curiosidade que me <strong>as</strong>saltou:<br />
-E os caixotes? Ó Jacinto?... Toda aquela imensa caixotaria que nós<br />
mandamos, abarrotada de Civilização? Soubeste? Apareceram?<br />
O meu Príncipe parou, bateu alegremente na coxa:<br />
-Sublime! Tu ainda te lembr<strong>as</strong> daquele homenzinho, de saco a tiracolo, que<br />
nós admiramos tanto pela sua saga<strong>cidade</strong>, o seu saber geográfico?... Lembr<strong>as</strong>?<br />
Apen<strong>as</strong> falei em Tormes, gritou que conhecia, rabiscou uma nota... Nem era<br />
necessário mais! “Ó! Tormes, perfeitamente, muito antigo, muito curioso!” Pois<br />
man<strong>do</strong>u tu<strong>do</strong> para Alba de Tormes, em Espanha! Está tu<strong>do</strong> em Espanha!<br />
Cocei o queixo, desconsola<strong>do</strong>:<br />
-Ora, ora... Um homem tão esperto, tão expedito, que fazia tanta honra ao<br />
progresso! Tu<strong>do</strong> para Espanha!... E mand<strong>as</strong>te vir?<br />
-Não! Talvez mais tarde... Agora, Zé Fernandes, estou saborean<strong>do</strong> esta<br />
delícia de me erguer pela manhã, e de Ter só uma escova para alisar o cabelo.<br />
Considerei, cheio de recordações, o meu amigo:<br />
94