A cidade e as serras - a casa do espiritismo
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Jacinto, que tinha agora <strong>do</strong>is cavalos, tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> manhãs ce<strong>do</strong> percorria <strong>as</strong><br />
obr<strong>as</strong>, com amor. Eu, inquieto, sentia outra vez latejar e irromper no meu<br />
Príncipe o seu velho, maníaco furor de acumular Civilização! O plano primitivo<br />
d<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> era incessantemente alarga<strong>do</strong>, aperfeiçoa<strong>do</strong>. N<strong>as</strong> janel<strong>as</strong>, que deviam<br />
ter apen<strong>as</strong> portad<strong>as</strong>, segun<strong>do</strong> o secular costume da serra, decidira pôr vidraç<strong>as</strong>,<br />
apesar <strong>do</strong> mestre-de-obr<strong>as</strong> lhe dizer honradamente que depois de habitad<strong>as</strong> um<br />
mês não haveria c<strong>as</strong>a com um só vidro. Para substituir <strong>as</strong> traves clássic<strong>as</strong><br />
queria estucar os tetos; e eu via bem claramente que ele se continha, se<br />
retesava dentro <strong>do</strong> bom senso, para não <strong>do</strong>tar cada c<strong>as</strong>a com campainh<strong>as</strong><br />
elétric<strong>as</strong>. nem sequer me espantei, quan<strong>do</strong> ele uma manhã me declarou que a<br />
porcaria da gente <strong>do</strong> campo provinha deles não terem onde comodamente se<br />
lavar, pelo que andava pensan<strong>do</strong> em <strong>do</strong>tar cada c<strong>as</strong>a com uma banheira.<br />
Descíamos nesse momento, com os cavalos à rédea, pôr uma azinhaga<br />
precipitada e escabrosa, um vento leve ramalhava n<strong>as</strong> árvores, um regato<br />
saltava rui<strong>do</strong>samente entre <strong>as</strong> pedr<strong>as</strong>. Eu não me espantei – m<strong>as</strong> realmente me<br />
pareceu que <strong>as</strong> pedr<strong>as</strong>, o arroio, <strong>as</strong> ramagens e o vento, se riam alegremente<br />
<strong>do</strong> meu Príncipe. E além destes confortos a que o João, mestre-de-obr<strong>as</strong>, com<br />
os olhos loucamente arregala<strong>do</strong>s chamava “<strong>as</strong> grandez<strong>as</strong>”, Jacinto meditava o<br />
bem d<strong>as</strong> alm<strong>as</strong>. Já encomendara ao seu arquiteto, naquele campo da Carriça,<br />
junto à capelinha que abrigava “os ossos”. Pouco a pouco, aí criaria também<br />
uma biblioteca, com livros de estamp<strong>as</strong>, para entreter, aos <strong>do</strong>mingos, os<br />
homens a quem já não era possível ensinar a ler. Eu vergava os ombros,<br />
pensan<strong>do</strong>: - “Aí vem a terrível acumulação d<strong>as</strong> Nações! Eis o livro invadin<strong>do</strong> a<br />
Serra!” M<strong>as</strong> outr<strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> de Jacinto eram tocantes – e eu mesmo me<br />
entusi<strong>as</strong>mei, e excitei o entusi<strong>as</strong>mo da tia Vicência com o seu plano duma<br />
Creche, onde ele esperava ter manhãs muito divertid<strong>as</strong> ven<strong>do</strong> <strong>as</strong> criancinh<strong>as</strong> a<br />
gatinhar, a correr tropegamente atrás duma bola. De resto, o nosso boticário de<br />
Guiães estava já apalavra<strong>do</strong> para estabelecer uma pequena farmácia em<br />
Tormes, sob a direção <strong>do</strong> seu praticante, um afilha<strong>do</strong> da tia Vicência, que tinha<br />
publica<strong>do</strong> um artigo sobre <strong>as</strong> fest<strong>as</strong> populares <strong>do</strong> Douro no Almanaque de<br />
Lembranç<strong>as</strong>. E já fora ofereci<strong>do</strong> o parti<strong>do</strong> médico de Tormes, com ordena<strong>do</strong> de<br />
600$000 réis.<br />
-Não te falta senão um Teatro! – dizia eu, rin<strong>do</strong>.<br />
-Um teatro, não. M<strong>as</strong> tenho a idéia duma sala, com projeções de lanterna<br />
mágica, para ensinar a esta pobre gente <strong>as</strong> <strong>cidade</strong>s desse mun<strong>do</strong>, e <strong>as</strong> cois<strong>as</strong><br />
de África, e um boca<strong>do</strong> de História.<br />
E também me ensoberbeci com esta inovação! – e quan<strong>do</strong> a contei ao tio<br />
Adrião, o digno antiquário bateu, apesar <strong>do</strong> seu reumatismo, uma palmada<br />
tremenda na coxa. “Sim, senhor! Bela idéia! Assim se podia ensinar àquela<br />
gente iletrada, vivamente, pôr imagens, a História Romana, até a História de<br />
Portugal!...” E volta<strong>do</strong> para a prima Joaninha, o tio Adrião declarou um “homem<br />
de coração!”<br />
E realmente pela Serra crescia a popularidade <strong>do</strong> meu Príncipe. Naquele,<br />
“guarde-o Deus, meu senhor!” com que <strong>as</strong> mulheres ao p<strong>as</strong>sar o saudavam, se<br />
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