19.04.2013 Views

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

sável. Jacinto não sabia, nem imaginava que houvesse sáveis... O Dr. Alípio não<br />

se admirava porque ess<strong>as</strong> pesc<strong>as</strong> tinham si<strong>do</strong> vendid<strong>as</strong> ao Cunha br<strong>as</strong>ileiro, há<br />

vinte anos, na mo<strong>cidade</strong> <strong>do</strong> Sr. D. Jacinto. E hoje, segun<strong>do</strong> D. Teotônio, não<br />

valiam <strong>do</strong>is mil-réis. Se já não há sáveis!... E a propósito d<strong>as</strong> antig<strong>as</strong> pesc<strong>as</strong> <strong>do</strong><br />

Douro se iam forman<strong>do</strong>, em torno da mesa, entre os homens mais vizinhos,<br />

lent<strong>as</strong> cavaqueirinh<strong>as</strong> rurais, que <strong>as</strong> senhor<strong>as</strong> aproveitavam para cochilar, no<br />

desabafo daquele silêncio cerimonioso, que viera pesan<strong>do</strong> cada vez mais desde<br />

a sopa até aos frangos guisa<strong>do</strong>s. Receoso de que essa orla de murmúrios<br />

lentos, sem brilho e sem alegria, se estabelecesse de novo, me abalancei (para<br />

animar) a interpelar Jacinto, recordan<strong>do</strong> a famosa aventura <strong>do</strong> peixe da<br />

Dalmácia encalha<strong>do</strong> no <strong>as</strong>censor.<br />

-Isso foi uma d<strong>as</strong> melhores históri<strong>as</strong> que nos sucederam em Paris! O<br />

Jacinto, pôr causa dum peixe muito raro, lhe mandara o que... O Grão-Duque<br />

C<strong>as</strong>imiro, o irmão <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r...<br />

To<strong>do</strong>s os olhos se desviaram para o meu Jacinto, que se servia de ervilh<strong>as</strong>:<br />

- e o Melo Rebelo qu<strong>as</strong>e se eng<strong>as</strong>gou, num sorvo precipita<strong>do</strong> ao copo, para<br />

contemplar no meu amigo algum reflexo <strong>do</strong> Grão-Duque. E eu contei, com<br />

profusão, o peixe encalha<strong>do</strong>, o Grão-Duque pescan<strong>do</strong>, o anzol feito com um<br />

gancho da Princesa de Carman, o duque de Marizac, cain<strong>do</strong> qu<strong>as</strong>e no poço <strong>do</strong><br />

eleva<strong>do</strong>r... M<strong>as</strong> não se produziu um único riso, e a atenção mesmo era dada<br />

com esforço, pôr cortesia. Debalde eu arremessava aqueles nomes magníficos<br />

de príncipes e princes<strong>as</strong>, mistura<strong>do</strong>s a cois<strong>as</strong> picaresc<strong>as</strong>... Nenhum <strong>do</strong>s meus<br />

convida<strong>do</strong>s compreendia o maquinismo <strong>do</strong> eleva<strong>do</strong>r, um prato encalha<strong>do</strong> num<br />

poço negro... Perante o gancho da Princesa, <strong>as</strong> Albergari<strong>as</strong> baixaram os olhos. E<br />

a minha deliciosa história morreu numa reticência, ainda mais regelada pela<br />

exclamação inocente da tia Vicência:<br />

-Ó! filho, que cois<strong>as</strong>!<br />

M<strong>as</strong>, como Jacinto se enfronhara de repente numa larga conversa com a<br />

Luisinha Rojão, que ria, toda luminosa e palra<strong>do</strong>ra – to<strong>do</strong>s, como liberta<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

peso cerimonioso da sua presença augusta, se lançaram n<strong>as</strong> conversinh<strong>as</strong><br />

discret<strong>as</strong>, a que o champanhe, agora, depois <strong>do</strong> <strong>as</strong>sa<strong>do</strong>, dava mais viveza.<br />

Eram os soturnos murmúrios, em torno da mesa, que definitivamente se<br />

perpetuavam. Foi então que desisti de animar o jantar. Mergulhei com a bela<br />

mulher <strong>do</strong> Dr. Alípio na grande questão social desse tempo em Guiães, o<br />

c<strong>as</strong>amento da D. Amélia Noronha com o feitor! E eu defendia a D. Amélia, os<br />

direitos <strong>do</strong> amor, quan<strong>do</strong> se alargou um silêncio – e era Jacinto, que se<br />

debruçava, de copo na mão.<br />

-Velho amigo Zé Fernandes, à tua! Muitos e bons, e sempre em companhia<br />

de tua tia e minha senhora, a quem peço para saudar.<br />

To<strong>do</strong>s os copos, onde a espuma morria sobre um fun<strong>do</strong> de champanhe, se<br />

ergueram num largo rumor de amizade, e boa vizinhança. Eu acenei ao Manuel,<br />

vivamente, para encher os copos; e logo, também de pé, atiran<strong>do</strong> para trás a<br />

sobrec<strong>as</strong>aca:<br />

127

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!