A cidade e as serras - a casa do espiritismo
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espanhola, gritan<strong>do</strong> pelo sr. D. Jacinto!... Depressa! Depressa! Que parte o<br />
comboio de Salamanca.<br />
-“Que no hay um momento, caballeros! Que no hay un momento!”<br />
Agarro estonteadamente o meu paletó, o Jornal <strong>do</strong> Comércio. Saltamos<br />
com ânsia: - e, pela plataforma, pôr sobre os trilhos, através de charcos,<br />
tropeçan<strong>do</strong> em far<strong>do</strong>s, empurra<strong>do</strong>s pelo vento, pelo homem da capa à<br />
espanhola, enfiamos outra portinhola, que se fechou com um estalo tremen<strong>do</strong>...<br />
Ambos arquejávamos. Era um salão forra<strong>do</strong> dum pano verde que comia a luz<br />
esc<strong>as</strong>sa. E eu estendia o braço, para receber <strong>do</strong>s carrega<strong>do</strong>res açoda<strong>do</strong>s <strong>as</strong><br />
noss<strong>as</strong> mal<strong>as</strong>, os nossos livros, <strong>as</strong> noss<strong>as</strong> mant<strong>as</strong> – quan<strong>do</strong>, em silêncio, sem<br />
um apito, o trem despegou e rolou. Ambos nos atiramos às vidraç<strong>as</strong>, em bra<strong>do</strong>s<br />
furiosos:<br />
-Pare! – As noss<strong>as</strong> mal<strong>as</strong>, <strong>as</strong> noss<strong>as</strong> mant<strong>as</strong>!... Pára aqui!... Ó Grilo! Ó<br />
Grilo!<br />
Uma imensa rajada levou os nossos bra<strong>do</strong>s. Era de novo o descampa<strong>do</strong><br />
tenebroso, sob a chuva despenhada. Jacinto ergueu os punhos num furor que o<br />
eng<strong>as</strong>gava:<br />
-Ó! Que serviço! Ó que canalh<strong>as</strong>!... Só em Espanha!... E agora? As mal<strong>as</strong><br />
perdid<strong>as</strong>!... Nem uma camisa, nem uma escova!<br />
Calmei o meu desgraça<strong>do</strong> amigo:<br />
-Escuta! Eu entrevi <strong>do</strong>is carrega<strong>do</strong>res arrebanhan<strong>do</strong> <strong>as</strong> noss<strong>as</strong> cois<strong>as</strong>...<br />
Decerto o Grilo fiscalizou. M<strong>as</strong> na pressa, naturalmente, atirou com tu<strong>do</strong> para o<br />
se compartimento... Foi um erro não trazer o Grilo conosco, no salão... Até<br />
podíamos jogar a manilha!<br />
De resto a solicitude da Companhia, Deusa onipresente, velava sobre o<br />
nosso conforto – pois que à porta <strong>do</strong> lavatório branqueava o cesto da nossa<br />
ceia, mostran<strong>do</strong> na tampa um bilhete de D. Esteban com est<strong>as</strong> <strong>do</strong>ces palavr<strong>as</strong> a<br />
lápis – á D. Jacinto y su egregio amigo, que les dê gusto! Farejei um aroma de<br />
perdiz. E alguma tranqüilidade nos penetrou no coração, sentin<strong>do</strong> também <strong>as</strong><br />
noss<strong>as</strong> mal<strong>as</strong> sob a tutela da Deusa onipresente.<br />
-Tens fome, Jacinto?<br />
-Não. Tenho horror, furor, rancor!... e tenho sono.<br />
Com efeito! depois de tão desencontrad<strong>as</strong> emoções só apetecíamos <strong>as</strong><br />
cam<strong>as</strong> que esperavam, maci<strong>as</strong> e abert<strong>as</strong>. Quan<strong>do</strong> caí sobre a travesseira, sem<br />
gravata, em ceroul<strong>as</strong>, já o meu Príncipe, que não se despira, apen<strong>as</strong><br />
embrulhara os pés no meu paletó, nosso único ag<strong>as</strong>alho, ressonava com<br />
majestade.<br />
Depois, muito tarde e muito longe, percebi junto <strong>do</strong> meu catre, na<br />
<strong>cidade</strong>zinha da manhã, coada pel<strong>as</strong> cortin<strong>as</strong> verdes, uma fardeta, um boné, que<br />
murmuravam baixinho com imensa <strong>do</strong>çura:<br />
-V. Ex <strong>as</strong> não têm nada a declarar?... Não há malinh<strong>as</strong> de mão?...<br />
Era a minha terra! Murmurei baixinho com imensa ternura:<br />
-Não temos aqui nada... pergunte V.Ex.ª pelo Grilo... Aí atrás, num<br />
compartimento... Ele tem <strong>as</strong> chaves, tem tu<strong>do</strong>... É o Grilo.<br />
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